Ricardo Lacerda
O estado de espírito do brasileiro é uma
gangorra. Alterna euforia e descrença sobre o futuro. Em momentos de baixo crescimento,
o brasileiro imagina o fim do mundo e em períodos de prosperidade que o futuro
chegou e finalmente vamos ingressar no exclusivo clube dos países
desenvolvidos. Há dificuldade, sobretudo, para distinguir a parcela dos
problemas que decorre de limitações externas e a parcela devida a problemas
estruturais internos.
Em situações como essa, vale a pena
buscar uma perspectiva de prazo mais longo e indagar sobre o futuro que nos
cabe.
O
debate
Uma vertente do debate econômico recorreu
ao argumento de que o PIB potencial do Brasil havia batido no teto, no sentido
estrutural do termo. A desaceleração da taxa de incremento da PEA (População
Economicamente Ativa) em situação de pleno emprego do fator trabalho imporia um
limite rígido ao crescimento econômico de longo prazo.
Um novo ciclo de aceleração do crescimento
exigiria reformas institucionais que estimulassem a ampliação do investimento e
o consequente aumento da produtividade. Embora esse argumento tenha sido
apresentado e repetido ad nauseam, o
fato é que não passa de uma igualdade contábil que depende de uma série de
pressupostos para ser válida, pressupostos estes que podem ser aderentes à realidade ou não.
Não se consideram, entre outros aspectos,
a maturação dos investimentos do pré-sal, o andamento das licitações na área de
infraestrutura, o amplo esforço de qualificação profissional representado pelo
Pronatec e o imenso exército de subempregados e de pessoas que atuam em
atividades de baixa produtividade e que, em algum grau, podem migrar para
outras de maior produtividade. Tais argumentações oscilam entre afirmar
banalidades e atropelar a realidade. Mais recentemente, têm sido elaborados
singulares modelos de comparação entre os países para provar o que desejam
provar. Nenhuma consideração é feita sobre os efeitos que a maior crise mundial
desde 1930 exerce sobre o potencial de crescimento dos países.
As
regiões que ganham
Ao longo da década de 1990, as mudanças
na participação dos grandes blocos econômicos na produção da riqueza mundial
foram bem modestas, quando comparadas às transformações verificadas na década seguinte.
A participação das economias avançadas iniciou e terminou os anos noventa detendo
79,9% do PIB mundial, contra os 20,1% das economias emergentes (ver Tabela 1). O
grupo das sete maiorias economias avançadas oscilou sua participação no período
de 65,3% para 66%.
Na década seguinte, a força da
emergência da China provocou mudanças de alcance na geração da
riqueza mundial, levando de arrastro países satélites situados no leste
asiático e os fornecedores de commodities agrícolas e minerais, inclusive
países latino-americanos e da África Subsaariana.
Entre 2000 e 2010, as economias
avançadas perderam 14,2 pontos percentuais de participação no produto global para
as economias emergentes. O grupo das sete maiores economias do mundo
desenvolvido (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Canadá e Itália) viu
sua participação recuar de 66%, em 2000, para 50,5%, em 2010, perda de notáveis 15,5 pontos de percentagens do PIB mundial. O grande vencedor foi o grupo dos
países emergentes da Ásia, China à frente, mas os países produtores de
commodities, inclusive o Brasil, também ganharam participação. Após 2010, a
dinâmica de crescimento voltou a mudar, mas a trajetória futura não está clara.
Tabela 1. Participação de Grupos de
Países selecionados no Produto Global. (%)
Grupos de países
|
1990
|
2000
|
2007
|
2010
|
2013
|
Economias Avançadas
|
79,9
|
79,9
|
71,7
|
65,7
|
61,3
|
Área do Euro
|
24,7(1991)
|
19,1
|
21,9
|
19,0
|
17,2
|
G7 (7 maiores avançadas)
|
65,3
|
66,0
|
55,3
|
50,5
|
46,6
|
Economias Emergentes
|
20,1
|
20,1
|
28,3
|
34,3
|
38,7
|
Emergentes da Ásia
|
4,8
|
6,9
|
10,7
|
14,9
|
18,2
|
América Latina e Caribe
|
5,2
|
6,6
|
6,6
|
7,7
|
7,8
|
África Subsaariana
|
1,4
|
1,1
|
1,5
|
1,7
|
1,8
|
Fonte: WEO. FMI.Abril de 2014
Países
A Tabela 2 apresenta a evolução da participação
de algumas das principais economias avançadas e economias emergentes na
produção global. Entre 2000 e 2010, todas as principais economias avançadas
cresceram menos do que a média mundial, perdendo participação na produção
global e continuaram perdendo entre 2010 e 2013.
Dentre as principais economias latino-americanas
selecionadas, apenas México e Argentina perderam participação. No caso do
Brasil, o peso na economia global saltou de 2%, em 2000, para 3,3%, em 2010, crescendo
quase 70% a mais do que a média mundial do período. A situação da China é
diferenciada, pois se trata da emergência de uma nova potência econômica no
cenário mundial.
Depois da crise, entre 2007 e 2010, o
Brasil manteve taxas de crescimento relativamente elevadas, na média, enquanto
a maioria das economias avançadas naufragava. Nos anos seguintes, as economias
centrais voltaram a se enredar na crise, contaminando as possibilidades de
crescimento das economias em desenvolvimento. O Brasil foi atingido pela nova
deterioração do cenário externo, enquanto as tentativas de se contrapor a
maré vazante se mostraram pouco frutíferas dessa vez, o que levou à piora de
alguns fundamentos e findou por provocar um abalo da confiança interna.
Não está claro ainda como países e
blocos de países vão se inserir na ordem econômica mundial que vem sendo gerada
há mais de uma década e qual a feição que esta vai assumir quando, finalmente,
a crise internacional estiver superada.
A mudança estrutural pela qual a economia
brasileira passou no período anterior à crise, com a ampliação do poder de
compra interno a partir da incorporação de milhões de pessoas ao mercado formal
de trabalho e ao mercado de consumo e as oportunidades de investimentos
existentes apontam para um futuro promissor para o Brasil, muito além das
dificuldades que vem enfrentando. Há tarefas importantes para serem
encaminhadas, mas não há como desconhecer as enormes potencialidades de
crescimento e de continuidade de processos
de inclusão social.
Tabela 2. Participação de Países
selecionados no Produto Global (%).
Países
|
1990
|
2000
|
2007
|
2010
|
2013
|
EUA
|
26,7
|
31,4
|
25,7
|
23,4
|
22,7
|
Japão
|
13,8
|
14,5
|
7,7
|
8,6
|
6,6
|
Alemanha
|
6,9
|
5,8
|
5,9
|
5,2
|
4,9
|
França
|
5,6
|
4,1
|
4,6
|
4,0
|
3,7
|
Reino Unido
|
4,6
|
4,6
|
5,1
|
3,6
|
3,4
|
Itália
|
5,1
|
3,4
|
3,8
|
3,2
|
2,8
|
China
|
1,7
|
3,7
|
6,2
|
9,3
|
12,4
|
Brasil
|
2,1
|
2,0
|
2,4
|
3,3
|
3,0
|
Rússia
|
0,3(1992)
|
0,8
|
2,3
|
2,4
|
2,9
|
Índia
|
1,5
|
1,5
|
2,2
|
2,7
|
2,5
|
México
|
1,3
|
2,1
|
1,8
|
1,6
|
1,7
|
Argentina
|
0,63
|
0,87
|
0,46
|
0,57
|
0,66
|
Colômbia
|
0,25
|
0,31
|
0,37
|
0,45
|
0,52
|
África do Sul
|
0,50
|
0,41
|
0,51
|
0,57
|
0,47
|
Chile
|
0,15
|
0,24
|
0,31
|
0,34
|
0,37
|
Peru
|
0,13
|
0,16
|
0,19
|
0,24
|
0,28
|
Fonte: WEO. FMI.Abril de 2014
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