Ricardo Lacerda
Um dos debates mais relevantes no momento atual diz respeito ao impacto que
uma acentuada desvalorização do real poderá ter sobre inflação, sobre a balança
de pagamentos externos e, principalmente, sobre o poder de compra da população.
Alguns especialistas têm demonstrado preocupação com a possibilidade de que
a continuidade da desvalorização do real ponha a perder uma parcela expressiva
dos ganhos de renda que a população mais pobre teve nos últimos anos, na medida
em que transfira poder de compra das famílias para as atividades produtoras de
bens comercializáveis voltadas para a exportações ou para o mercado interno.
Há poucas dúvidas de que a valorização do câmbio tem efeitos depressivos
sobre a evolução do consumo das famílias na medida em que torna relativamente mais
caros os produtos importados e os
produzidos internamente que são sujeitos à competição com aqueles. Como a
elevação dos preços de tais categorias de bens deve pressionar a evolução da
inflação, a valorização do câmbio, a depender da velocidade em que ocorrer e do
aquecimento maior ou menor do mercado interno, poderá exigir a adoção de medidas
adicionais de contenção fiscal e de elevação de juros que acentuariam a
tendência recessiva da economia brasileira, em um primeiro momento.
Outra linha de abordagem argumenta, todavia, que a mudança no patamar do
câmbio é fundamental para reequilibrar a economia brasileira, que hoje despende
com consumo além de suas disponibilidades.
Considera também que, como a
produção industrial brasileira se encontra estagnada já há alguns anos, somente
uma mudança acentuada no valor do câmbio poderia torná-la competitiva em
relação aos produtos importados, que vêm conquistando crescentemente fatias do
mercado interno, ao tempo que permitiria recuperar o crescimento das atividades
voltadas para o mercado externo.
Um terceiro aspecto é que o déficit da conta de transações correntes com
o exterior vem se mantendo há alguns anos em um patamar muito elevado,
perigosamente insustentável no médio prazo, revelando o desequilíbrio entre as
trajetórias das importações e das exportações de bens e serviços.
O câmbio
O real vem desvalorizando em ritmo relativamente acelerado há mais de
três anos. Em relação ao ponto mais baixo de 2011, no mês de julho, a taxa de
câmbio nominal (de uma cesta de moeda) subiu 68,7% até 5 de dezembro de 2014, o
que não é trivial. Já descontadas as inflações interna e externa, a taxa de
câmbio (real e efetiva) subiu nesse período um pouco mais de 30% (ver Gráfico
1). A cotação do dólar americano para venda no último dia 11 de dezembro se
posicionou 15,3% acima do valor de quatro meses atrás.
Fonte: Banco Central do Brasil.
Bastou a nova equipe econômica acenar que iria reduzir as operações de
swap cambial utilizadas para conter uma rápida desvalorização do real para que
a taxa de câmbio apresentasse forte subida nas últimas duas semanas. A queda da
cotação do real tem sido alimentada, também, pelos efeitos dos novos anúncios
de intensificação do crescimento da economia americana que fortalecem o dolar.
Os efeitos
Os efeitos da valorização do câmbio (ou desvalorização do real) já se
fizeram sentir, na evolução dos preços e nas relações econômicas externas. A
elevação dos preços dos produtos comercializáveis, que recebe influência direta
do valor do câmbio, passou a convergir com a dos produtos não comercializáveis,
em geral referentes a serviços que são prestados no mercado interno. Na série
de doze meses acumulados, o IPCA de produtos comercializáveis subiu 6,0% em
novembro de 2014, quando chegaram a subir apenas 3,0%, em meados de 2012.
Em relação ao balanço de pagamentos, a aceleração recente da valorização
da taxa de câmbio já começa a produzir seus primeiros efeitos. Nos últimos
trimestres, o saldo deficitário de transações correntes passou, em um primeiro
estágio, a subir de forma mais lenta e, em um segundo estágio, registrou uma
queda moderada, ainda que se mantenha muito elevado.
Em parte por conta do efeito da desaceleração do crescimento, em parte
por conta do efeito da valorização, desde o 1º trimestre de 2014 o setor
externo vem invertendo a sua contribuição na formação do PIB em quatro
trimestres.
Depois de equivaler à subtração de 0,9 pontos percentuais do
crescimento do PIB de 2013, o saldo de exportações e importações de bens e
serviços reduziu seu efeito negativo (na série de quatro trimestres acumulados)
nos primeiro e segundo trimestres de 2014 (ver Gráfico 2). No terceiro
trimestre de 2014, a queda no déficit dessa conta implicou contribuição
positiva em valores expressivos para a formação do PIB, fato que não ocorria desde
o primeiro trimestre de 2006.
Fonte: IBGE. Elaboração Banco Central do Brasil.
Professor do Departamento de Economia da UFS
e Assessor Econômico do Governo de Sergipe.
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