Ricardo Lacerda
A economia move-se
em ciclos, em que se sucedem períodos de prosperidade e períodos de baixo
crescimento ou de recessão, como enfrentam no momento Portugal, Grécia e alguns
outros países da zona do euro.
O ciclo expansivo
da economia brasileira iniciado no final de 2003 contou com o empurrão das
exportações favorecidas pela intensa desvalorização do real no ano anterior e
pelas cotações elevadas de nossas principais commodities no mercado
internacional.
A expansão econômica
ganhou robustez não apenas pela transmissão do efeito multiplicador do comércio
exterior sobre a renda interna, como foi especialmente fortalecida pela ampliação
do crédito, pelo aumento do poder de compra do salário mínimo e pelas políticas
de transferência de renda.
Essas duas forças,
o impulso exportador e a ampliação do poder de comprar interno, deram origem a
um ciclo virtuoso de longa duração, que foi acompanhado pela ampliação dos
investimentos, pelo aumento da arrecadação e do gasto público, pelo crescimento
do emprego e da ocupação e pela multiplicação do acesso ao crédito, com as
variáveis se reforçando mutuamente.
Freio e mudança de direção
Ainda em 2004, os
policy makers entenderam que a economia brasileira rodava em ritmo superior ao
do seu potencial crescimento, ameaçando a sustentabilidade da expansão no longo
prazo. Alguns freios fiscais foram acionados e os juros básicos aumentados, de forma
que, após fechar o ano de 2004 com crescimento de 5,7%, o PIB desacelerou:
cresceu 3,2%, em 2005, e, no segundo trimestre de 2006, o ritmo de incremento já
havia caído para 2,6% em quatro trimestres acumulados.
Com a mudança do
comando da política econômica no final de março de 2006, foram adotadas medidas
visando testar os limites do potencial de crescimento brasileiro, a fim de retomar
a trajetória expansiva. Os motores da aceleração a partir da guinada
expansionista na política econômica foram os aumentos reais do salário mínimo e
a elevação dos gastos correntes e dos investimentos do setor público. A
economia recebeu um impulso notável que findou por estimular fortemente os investimentos
privados.
O crescimento do PIB
voltou a acelerar em 2006, alcançando 4,2%, e depois para 6,1%, em 2007, e no
final do terceiro trimestre de 2008, quando a eclosão da crise financeira
internacional era ainda muito recente
para se refletir em resultados
anualizados, crescia 6,6% no acumulado de quatro trimestres. Era o ápice do
ciclo de crescimento movido pela nova matriz de política econômica, de viés
expansionista.
O vigor do ciclo
expansionista, a partir da implantação da nova política, teve algumas
consequências importantes. Diante do intenso crescimento do mercado interno, acompanhado
por uma valorização cambial não menos vigorosa, as importações de bens e
serviços do exterior passaram a crescer, em termos absolutos, em ritmo mais acentuado
do que o das nossas exportações de bens e serviços, ainda que ambas crescessem
a taxas notáveis. Assim, o último
trimestre em que o saldo em quatro trimestres das exportações de bens e
serviços em relação a importações de bens e serviços cresceu em termos
absolutos foi no 1º trimestre de 2006. Nos trimestres seguintes, tal saldo declinou
continuamente (ver linha pontilhada no gráfico). Desde o primeiro trimestre de
2010, o saldo da contribuição da demanda externa de bens e serviços tornou-se
crescentemente negativo, na série de quatro trimestres acumulados a valores
constantes de 1995.
Reversão do mercado externo
Enquanto o cenário
internacional se manteve favorável, até setembro de 2008, o fato de a absorção
do setor externo contribuir para reduzir a taxa de crescimento, não impediu que
a economia brasileira continuasse a apresentar taxas acentuadas de crescimento
do PIB, porquanto o consumo das famílias e os gastos do setor público causavam
forte impulso no nível de atividade, o que findava por estimular a expansão dos
investimentos. Com a crise internacional, a situação sofre uma inversão que vai
limitar as possibilidades de crescimento da economia brasileira.
Ainda em 2009, a
resposta do governo brasileiro de assegurar o funcionamento dos canais de
crédito, manter a programação dos gastos públicos em patamar elevado e
estimular o consumo das famílias foi bem sucedida para enfrentar a crise de
confiança e retomar o crescimento em poucos trimestres.
Mas quando o
cenário internacional voltou a se agravar em meados de 2011, e permaneceu muito
adverso desde então, não havia mais margem para a economia brasileira continuar
crescendo a taxas elevadas apoiada na expansão do consumo das famílias e do
gasto público e tampouco havia confiança para uma retomada mais ampla dos
investimentos que pudesse ampliar o crescimento do PIB potencial.
É o que mostra o gráfico
já citado, em que se verifica como a inversão do cenário externo se transmite
rapidamente em termos de deterioração do saldo das exportações de bens e
serviços enquanto a trajetória da inflação se mantém em torno do teto superior
da meta, mesmo com o PIB crescendo abaixo de 3% nos últimos três anos.
Diante dessa dupla
restrição, um novo ciclo expansivo de maior fôlego da economia brasileira
deverá estar apoiado em uma melhoria do cenário internacional, que propicie que
a absorção externa volte a contribuir positivamente para o incremento do PIB,
combinada com avanços internos na retomada dos investimentos privados no setor
de infraestrutura e na progressão da exploração do pré-sal. Tais vetores
concorrerão, em um primeiro momento, para a retomada da confiança e, em segundo
momento, impulsionarão o consumo das famílias e o conjunto dos investimentos
privados.
Fonte: IBGE.
Publicado no Jornal da Cidade, em 13/07/2014
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