Ricardo Lacerda
O bairro de Casa Forte, em Recife, é um case para ser estudado. O nome vem da casa de Ana Paes, matriarca que ficou do lado dos holandeses e fez de sua casa uma base do poder flamengo. Fica quase ao lado do famoso arraial do bom jesus, onde se sitiavam Mathias de Albuquerque e muitos outros portugueses e brasileiros. Na aguada que atraiu as tropas para lá, hoje completamente poluída, pegávamos caranguejo nos anos setenta.
Na minha infância, a família mais rica, proprietária de boa parte do bairro, era os Costa Lima, que tinha o padre da paróquia, a escola Padre Donino e dezenas de casas. E fizera um ministro da agricultura na época do parlamentarismo, Osvaldo Lima Filho.
Morávamos em uma parte simples do bairro, chamada de barro alto, porque tinha uma pequena elevação aterrada em barro. Na esquina da nossa rua tinha uma casa do tipo Casa Grande de Engenho, em uma área que tinha virado urbana, embora a rua não tivesse calçamento. Pertencia a Dr. Luiz de França, da família Costa Lima, que possuía duas dezenas de casa nos arredores.
Encostada à nossa casa morou por alguns anos o educador Paulo Freire. Meus irmãos mais velhos conviveram com as filhas dele, inclusive com Madalena Freire, a sua herdeira intelectual. Eu não tenho nenhuma lembrança. Na casa da esquina, referida, morou Luizinho Costa Lima, filho de Dr. Luiz de França, professor da PUC, linguista e crítico literário dos mais ilustres do país..
No fim da rua, que era quase sem saída, tinha apenas um beco que mal passava um carro, havia um sítio e por trás dele umas palafitas que com o tempo formaram uma favela ampla, chamada de Ilha das Cobras, em torno do riacho a que me referi. Nesse sítio, morava uma família humilde que gerou dois prodígios, Peba, que fez história na crônica policial do bairro, e um garoto, oito anos mais novo que eu, que viria a ser conhecido como Todo Duro, campeão brasileiro de luta livre.
Em um único trecho de rua, Paulo Freire, Luizinho Costa Lima e Todo Duro. A rua ficava a 150 metros da praça de Casa Forte, segunda à direita no oitão da Igreja, era assim que explicávamos às pessoas, aquela da residência de Ana Paes.
Ariano e seus parentes moravam em ruas que se situavam do outro lado da praça, próximos ao rio Capibaribe, em torno do Poço da Panela. Ariano na rua do Chacon, quase à margem do rio.
Não lembro de Ariano na infância. Seus sobrinhos e, creio, filho jogavam futebol conosco. E todos sabíamos que eram parentes de Ariano. O mais extrovertido se chamava Zezo, o primeiro "contador de causos" que conheci na vida. Tão engraçado que cansava, porque não parava de falar.
Vi Ariano pela primeira vez quando tinha 12 anos, no auditório anexo à igreja da Soledade, próximo da casa de minha avó. Era uma atividade do Colégio de Aplicação. Ele foi apenas apresentar o Quinteto Armorial, em uma de suas primeiras apresentações públicas, já com Antônio Nóbrega como estrela. Nóbrega era um rapaz engraçado e irrequieto que tocava rabeca, um violino rústico.
Ainda que o universo literário de Ariano tenha se inspirado na vida dos sertanejos, Casa Forte, um bairro que quase sintetiza o caráter pernambucano, marcou sua vida e as de seus familiares. E a minha também...
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