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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 15 de junho de 2014

Câmbio e competitividade da indústria



Ricardo Lacerda

São inúmeros os episódios registrados pela literatura econômica em que o elevado fluxo cambial proporcionado pelas exportações de produtos oriundos de exploração de recursos naturais causa danos à estrutura industrial de um país. O fenômeno é conhecido como doença holandesa, uma referência à valorização do florim associada ao crescimento da produção de petróleo no mar do Norte que derrubou a competitividade da indústria manufatureira nacional nos anos sessenta.

Nos últimos vinte anos, o Brasil enfrentou dois períodos de maior duração em que a valorização do câmbio corroeu a competitividade da indústria manufatureira, em sua capacidade exportadora e principalmente na disputa do mercado interno com os produtos importados, mas somente a primeira etapa do segundo deles pode ser caracterizada como doença holandesa.

A primeira vez

O câmbio fixo foi a principal âncora do plano real entre julho de 1994 e o final de 1998. A valorização cambial era um dos principais componentes da política de estabilização. A corrosão da competitividade da indústria manufatureira foi generalizada entre os setores e provocou déficits magnificados no balanço de transações correntes, somente financiados pela entrada de capital atraído pelas oportunidades de negócios proporcionadas pela privatização e pelas taxas de juros estratosféricas.

Naquele período, a crise do setor manufatureiro respondia, em parte, à intenção manifesta da política econômica de expô-lo à competição externa e, em parte, foi entendida como um preço a pagar, um custo inevitável para estabilizar os preços internos.

Nesse sentido, a crise manufatureira da segunda metade dos anos noventa não decorreu de nenhum fenômeno como doença holandesa, mesmo porque o período foi marcado por cotações rebaixadas nos preços das nossas principais commodities. O déficit de competitividade foi contrapartida da explosão de aquisição de importados com preços subsidiados em moeda nacional.

A segunda vez

Depois da crise asiática em 1997, a manutenção do câmbio valorizado era perceptivelmente insustentável, mas a mudança do regime cambial somente ocorreu após as eleições gerais de 1998. Em janeiro de 1999, abandonou-se a âncora cambial e a moeda mudou de patamar.

O impacto positivo no nível de atividade da indústria de transformação foi imediato, mas a retomada foi amortecida em 2001 e 2002 por conta do racionamento de energia e da piora do cenário externo com o estouro da “bolha da internet” e das consequências econômicas do atentado terrorista de setembro de 2001.

A indústria manufatureira somente iniciou um ciclo de intenso crescimento a partir de segundo semestre de 2003, que se estendeu até o estouro da bolha imobiliária norte-americana, em setembro de 2008.

A atividade manufatureira foi duplamente beneficiária na primeira etapa desse ciclo que perdurou, grosso modo, até meados de 2005: pelo patamar desvalorizado da moeda nacional, ainda que o real estivesse em acelerada apreciação, e pela expansão do mercado interno proporcionada pela melhoria dos termos de trocas de nossas exportações e pelo inicío da abrangente elevação do nível de renda da população promovida pelas políticas públicas.

A produção industrial se expandiu celeremente, mas a apreciação do real foi corroendo a sua competitividade. Depois do refluxo do pico alcançado em 2003, em razão da desconfiança com o novo governo, o real iniciou ainda em 2004 um período de intensa valorização que se prolongou até maio de 2011, interrompido por alguns trimestres na esteira da crise financeira em 2009.

Mesmo com a desvalorização substantiva que se seguiu ao segundo mergulho da crise financeira internacional em meados de 2011, o real permaneceu até os dias atuais em patamar muito valorizado, como indica a deterioração recente das contas comercial e de serviços de não fatores.

O novo período de longa duração com a moeda nacional sobrevalorizada deu origem a um processo característico de doença holandesa, em que a elevação nas cotações internacionais de nossas principais commodities provocou perdas cumulativas de competitividade da indústria manufatureira, tanto no mercado externo, quanto no mercado interno.

A segunda etapa da segunda vez

Enquanto o cenário externo se manteve favorável, até o terceiro trimestre de 2008, a indústrias de transformação brasileira continuou crescendo, convivendo com a forte apreciação da moeda nacional, ainda que já se manifestassem os sintomas de perda de competitividade. Depois da eclosão da crise, todavia, a atividade manufatureira iniciou uma etapa de instabilidade em torno de uma trajetória de estagnação.

Os gráficos apresentados são autoexplicativos. Eles apresentam a evolução do índice em doze meses do nível de produção física dos principais setores manufatureiros brasileiros, igualando a 100 a produção de outubro de 2007 a setembro de 2008.

Poucas são as atividades que apresentaram crescimento robusto no período, como a indústria de bebidas e a de minerais não metálicos, favorecidas, respectivamente, pelo crescimento da renda interna e pela expansão da construção civil.

Algumas atividades apresentaram trajetórias que se assemelham a um desastre, como têxtil e confecções. Outras apenas pararam de crescer e outras apresentaram forte instabilidade, como a indústria automobilística.  Outras ainda, como aquelas vinculadas à produção de bens de capital, jamais se recuperaram. 



Publicado no Jornal da Cidade, em 15/06/2014




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