Ricardo Lacerda
A crise financeira internacional atropelou a indústria brasileira.
O desempenho ruim da produção física nesse início de 2014 é apenas
mais um capítulo nas dificuldades que a indústria de transformação brasileira
vem enfrentando desde o final de 2008. No primeiro quadrimestre de 2014, a
indústria geral (ind. transformação + extrativa mineral) recuou 1,2% em relação
ao mesmo período do ano anterior, abortando, mais uma vez, a retomada que
tentava ensaiar.
O comportamento extremamente instável da trajetória da indústria
brasileira nos últimos anos é sintoma de dificuldades que vem enfrentando e
coloca na ordem do dia a questão da competitividade de nosso parque
manufatureiro.
Descolamento
O Gráfico 1 não deixa dúvidas quanto ao descolamento da trajetória
da indústria de transformação em relação ao PIB a partir do último trimestre de
2008. Desde então, a evolução da indústria de transformação tem sido não apenas
anêmica, como instável.
Depois da recuperação em 2010, o nível de produção física da
indústria de transformação voltou a recuar a partir de meados de 2011, depois do
segundo mergulho da crise internacional. Ensaiou nova retomada em 2013 e voltou
a entornar no final daquele ano, como resultado do anúncio da reversão da política
de expansão monetária norte-americana e da queda de confiança de consumidores e
empresários internamente.
Crescendo em ritmo relativamente ajustado com o PIB até o terceiro
trimestre de 2008, a indústria de transformação descolou a partir de então e,
depois de oscilar, chega ao final do 1º trimestre de 2014 com o mesmo nível de
atividade, em doze meses acumulados, de setembro de 2008, enquanto o PIB se
situa 14,8% acima e o setor de serviços, 16,3% (ver Gráfico 1).
Fonte: IBGE-CNT. Série sem efeitos sazonais.
Preços relativos
A trajetória problemática da indústria manufatureira, essa é a
nossa hipótese, decorre, de um lado, do agravamento do quadro internacional e,
de outro, da natureza da reação adotada internamente para manter aquecido o
nível de atividade da economia brasileira naquele cenário externo extremamente
ruim. Trocando em miúdo, quando a situação
internacional agravou-se, o Brasil deu uma resposta inversa a da crise de 1930;
se preservou o nível da demanda interna o fez por meio da expansão do consumo,
estimulando assim a demanda das atividades produtoras de bens não
comercializáveis, como a prestação de serviços ofertados no mercado interno,
mas sacrificou a produção industrial. Procedeu assim porque os canais de
financiamentos externos se mantiveram abertos
e permitiram que financiasse os déficits crescentes de transações correntes
por meio da conta de capital.
O erro estratégico, pelo qual a estrutura produtiva interna paga
um preço elevado, foi permitir que o real retomasse, ainda no segundo semestre
de 2009, a trajetória de valorização iniciada em 2004 e que havia sido
interrompida no momento do dêbacle financeiro em setembro de 2008. Uma mudança
de vulto e persistente nos preços relativos entre os bens comercializáveis e não
comercializáveis, naquela ocasião, teria assegurado a competitividade da
produção manufatureira interna, mesmo que isso custasse uma parcela do incremento
do consumo que se pretendeu estimular.
Indústria e Serviços
Um aspecto que tem sido pouco observado no debate sobre a perda de
competitividade da economia brasileira é que a crise financeira internacional
não mudou as condições de competitividade apenas da atividade industrial. A
parcela das atividades de serviços que é comercializável no mercado
internacional, cada vez mais importante, também foi intensamente impactada
depois de 2008. Entre 2008 e 2013, os serviços (chamados de não fatores) importados
em termos líquidos passaram de US$ 16,7 bilhões para US$ 47,7 bilhões,
incremento de 182% (ver Gráfico 2).
Esse agrupamento inclui itens que têm pesado no aumento do déficit
externo nas relações correntes, como turismo, aluguel de equipamentos,
transporte e serviços computacionais.
Do incremento do déficit de transações correntes pós 2008, decorrente
da deterioração do cenário externo e da manutenção do câmbio valorizado, o peso
do aumento dos gastos com serviços foi significativamente superior à
contribuição decorrente da perda de competitividade nas exportações de bens (ver
Gráfico 2). O aumento das importações líquidas de tais serviços respondeu por
56% do incremento do déficit nas transações correntes, frente aos 41% originários
da redução do saldo da balança comercial. A situação do cambio, portanto, não
diz respeito apenas à competitividade da atividade industrial. Atinge de forma
crescente as atividades de serviços e torna insustentável a situação do balanco
de pagamento no médio prazo.
Fonte: Banco Central do Brasil.
Publicado no Jornal da Cidade em 08/06/2014
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