Ricardo Lacerda
Nos anos noventa, a indústria de transformação perdeu cinco pontos percentuais de participação no Valor Adicionado Bruto (o PIB excluindo os impostos). O ano mais crítico foi o de 1998. Naquele ano, a participação da indústria de transformação (a preços básicos) se situou 7,5 pontos abaixo do resultado de 1990 e 9,8 pontos abaixo de 1985 (ver Gráfico). A abertura comercial acelerada e o câmbio fortemente valorizado fizeram o trabalho. Milhares de postos de trabalhos foram destruídos e a produção doméstica foi substituída pela importação em um grande número de setores da atividade industrial. Ninguém há de esquecer nem a euforia do consumo de produtos importados causada pelo real forte, nem a ressaca da quebra do país em 1998, na esteira da crise no sudeste asiático.
Abertura comercial
A abertura comercial significou, nesse sentido, uma opção pela perda de participação da indústria no desenvolvimento brasileiro. À época, as autoridades econômicas entenderam e os especialistas alinhados não escondiam a opinião de que o peso da indústria na formação do PIB era excessivo e somente se mantinha à custa de elevada proteção, que onerava os consumidores, restringia a competitividade e travava a modernização da economia brasileira.
Fonte: IBGE. Obs. As participações da indústria de transformação na série com ano base de 2002
são inferiores em razão da nova classificação das atividades econômicas em que foi ampliado
o escopo do setor de serviços.
Operava também, como em outros momentos de nossa história recente, o apelo popular do subsídio implícito ao consumo proporcionado pelo real forte mesmo que em troca de menos geração de emprego e de produção interna mais frágil. Nesse sentido, a valorização cambial foi também uma opção, todavia não confessada nesse caso, de reduzir o peso da indústria.
Com a mudança de regime cambial e a abrupta desvalorização do real em 1999, a participação da indústria de transformação subiu alguns pontos até 2000 (ou até 2001, dependendo da série), ficando distante, todavia, dos patamares dos anos oitenta. Os atentados nos EUA e o racionamento de energia em 2001 sustaram a recuperação da indústria. Com a nova desvalorização provocada pelo temor dos mercados em relação ao governo eleito em 2002, a indústria da transformação voltou a elevar o peso no valor adicionado bruto em 2003 e 2004, agora já se aproximando da participação de 1985.
Ciclo e crise
A emergência da China no cenário internacional e a explosão de demanda pelas nossas commodities produziram crescentes saldos comerciais, que aliados à intensa entrada de capital de risco, inauguraram um novo ciclo de valorização do real. O ciclo de crescimento econômico iniciado em 2004 foi impulsionado, em um primeiro momento, pelo boom das exportações, mas ganhou fôlego com a expansão do crédito e com o crescimento do poder de compra da faixa de população situada na base da pirâmide de renda.
Entre 2005 e 2008, a atividade industrial cresceu em ritmo acelerado, mas inferior ao do PIB, o que levou à perda de peso do setor no total da economia. Depois de 2008, a atividade não conseguiu manter a trajetória de crescimento, apesar do desempenho de 2010.
Nos últimos dois anos, diante do agravamento da crise financeira internacional e ainda com o real valorizado, a indústria de transformação sofreu novo baque, o que fez não apenas a atividade industrial perder peso no PIB como ter visto o seu nível de produção cair.
Diferentemente dos anos noventa, a redução da participação da indústria de transformação na formação da riqueza a partir de 2005 não é assumida como objetivo de governo e resulta, em um primeiro momento, do efeito das exportações de nossas commodities sobre o câmbio. Como a indústria crescia em ritmo intenso por conta da acelerada expansão do mercado de consumo, a perda de sua participação do PIB não era vista como problema. No segundo momento, após 2008, quando urgia a decisão de desvalorizar o câmbio, predominou o renovado apelo consumista do câmbio valorizado.
Nova Matriz
Somente em meados de 2011, quando ficou claro que a economia mundial caminhava para o segundo mergulho, com fortes impactos sobre o nível de atividade interna, especialmente sobre as atividades industriais, iniciou-se um movimento de maior amplitude em favor do desenvolvimento industrial.
Desde então, por meio de instrumentos como desvalorização cambial, redução dos juros, desoneração da produção e da implementação de programas específicos voltados para o desenvolvimento de capacitação tecnológica e para a internalização de atividades produtivas, iniciou-se uma nova política de desenvolvimento produtivo que revela uma opção pela indústria.
Em meio ao temporal da crise financeira internacional, as medidas têm demorado a mostrar seus efeitos, mas elas podem ser um início de uma nova etapa de aumento da participação da atividade industrial na economia brasileira, que caiu muito além do desejável.
Publicado no Jornal da Cidade em 21 de abril de 2013
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