Ricardo Lacerda
A produção industrial recuou 3,2% em 2014. Não
é pouca coisa. Na série histórica iniciada em 2002 somente a retração de 2009
foi mais acentuada. Ainda que a redução da produção tenha sido bem mais intensa
no segmento de bens de capital e bens duráveis de consumo, especialmente nas
atividades vinculadas à indústria automobilística, ela foi muito disseminada
atingindo também os segmentos de insumos e de bens não duráveis de consumo. A
retração atingiu 20 dos 26 ramos industriais considerados. Entre as principais
atividades industriais do país, apenas a produção de petróleo e a de bebidas
apresentaram crescimento em 2014.
A retração industrial em 2014 é na verdade apenas
um capítulo na trajetória de dificuldades que o setor enfrenta desde que a crise
financeira internacional se instalou em 2008.
Estagnação
Em uma perspectiva de prazo mais longo, a
atividade industrial vem perdendo peso na estrutura produtiva do país desde
meados dos anos oitenta, mas é de 2008 em diante que a evolução do setor tem
sido especialmente dramática, com altos e baixos em torno de uma trajetória de
estagnação. A produção industrial caiu 7,1%, em 2009, se recuperou em 2010, com
crescimento de 10,2%, e a partir de meados de 2011 entrou em trajetória
declinante alternando quedas e recuperações parciais.
O Gráfico 1 ilustra a trajetória da produção
industrial no acumulado de doze meses, igualando-se a 100 o valor de setembro
de 2008. Depois do início da crise internacional, a produção industrial somente
retomou o patamar anterior no último trimestre de 2010. Desde então ela veio
oscilando em torno desse patamar, sem conseguir deslanchar um novo período de
crescimento robusto e desde abril de 2014 vem caindo mês a mês e faz isso de
forma pronunciada.
Fonte: IBGE-PIM
Fatores
Certamente, a questão da perda de
competitividade do setor industrial brasileiro é muito complexa envolvendo
diversos fatores explicativos. Há aspectos de natureza mais estrutural
vinculados à formação de cadeias globais de produção, a ascensão da China e de
países ancilares do extremo oriente como principal polo mundial de manufaturas,
de mudanças relativas ao progresso técnico e à capacidade de inovação e como
eles afetam os padrões de consumo e de preferências em escala mundial. Há quem
aponte aspectos atinentes ao chamado custo Brasil, abrangendo as deficiências
de nossas infraestruturas, a elevada carga tributária e o limitado grau de
abertura de nossa economia.
Há, todavia, outros aspectos mais comezinhos
que afetam diretamente os preços relativos dos bens produzidos internamente
frente aos preços externos que, entendo, precedem os demais e que estão na raiz
das dificuldades enfrentadas pelo setor industrial brasileiro. São esses
aspectos que explicam em parte porque o Brasil não tem participado mais
efetivamente das tais cadeias produtivas globais, ficando de fora do radar das
grandes redes de produção e distribuição.
Esses aspectos cumprem um papel importante na
perda de competitividade industrial do país e contribuíram para a rápida
deterioração do setor durante esse período de vigência da crise mundial. O fato
é que desde meados dos anos noventa, os governos têm optado por incentivar o
consumo e desestimular a produção. Fazem isso, recorrentemente, mantendo nossa
moeda valorizada por longos períodos, algumas vezes de forma artificial, nos
anos noventa, e em outros períodos por conta de ondas de valorização das
cotações internacionais de nossas principais commodities que asseguram um forte
influxo de moedas externas, causando a chamada doença holandesa.
Com isso, os produtos importados se tornam mais
baratos e a produção interna menos competitiva tanto no mercado doméstico
quanto no mercado externo, tal qual se expressa na evolução da cesta de moeda do
nosso comércio exterior medida pelos salários internos (ver Gráfico 2).
Fonte:
Banco Central do Brasil.
Populismo cambial
Na segunda metade dos anos noventa o Brasil
aceitou subsidiar o consumo interno por meio de importações com câmbio
fortemente desvalorizado, pelo menos até a débacle cambial ao final de 1998
(ver Gráfico 2). Nesse período, os déficits na balança comercial eram cobertos
pela entrada de capitais especulativos atraídos por taxas de juros recordes,
pela venda dos ativos das empresas estatais e com a finalidade de ocupar os
espaços deixados pelo capital nacional em uma série de segmentos que foram
desestruturados e/ou desnacionalizados.
A partir de 2004 o câmbio foi desvalorizado,
na primeira etapa, como resultado de uma típica doença holandesa, em que os
superávits comerciais assegurados pelo desempenho extraordinário das
commodities agrícolas e minerais. Como é típico nesses processos, as demais
atividades produtoras de bens comercializáveis, sujeitas à concorrência
externa, perdem competitividade no mercado interno e no mercado externo.
Depois de 2011, os preços de nossas
commodities começaram a despencar e o saldo da balança comercial brasileira
começou a encolher, até ficar negativo em 2014. Ainda assim, o governo resistiu
a desvalorizar nossa moeda/valorizar o câmbio na magnitude necessária para
realizar o ajuste, receoso do impacto que teria nos preços e na produção
interna, no primeiro momento. Ou seja, o efeito doença holandesa expirou desde
2011, mas o câmbio, apesar da valorização nos últimos dezoito meses, não foi
posicionado no patamar necessário para reequilibrar preços internos e preços
externos. Isso vai ser inevitável. A questão central é o ritmo, a urgência e a
intensidade em que vai ser feito.
Publicado no Jornal da Cidade, em 08/02/2015
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