Ricardo Lacerda
A situação do mercado de
trabalho brasileiro, com taxa de ocupação próxima ao pleno emprego, tem
suscitado interessante debate sobre a restrição imposta pela escassez de
mão-de-obra ao potencial de crescimento da economia.
O debate remete às
contribuições teóricas do prêmio Nobel de economia de 1979, professor Arthur
Lewis, que em 1954 publicou um importante artigo sobre as condições de oferta do
mercado de trabalho e suas implicações para o desenvolvimento econômico nos
países pobres.
Em essência o professor
Lewis argumentava que, diferentemente dos países desenvolvidos, nos países
pobres é persistente uma oferta ilimitada de mão-de-obra aos níveis de salários
vigentes. Em seu modelo, a oferta ilimitada de mão-de-obra decorre, entre
outros fatores, do caráter dual da estrutura econômica em que convivem um setor
moderno (capitalista) e um setor de economia de subsistência, que supre continuamente
o primeiro com mão-de-obra ao salário corrente, à medida que ele se expande e
eleva a demanda por trabalho.
A disponibilidade ampla de mão-de-obra propicia que os salários se
mantenham baixos mesmo quando a economia experimenta um período de intenso
crescimento.
Limites
A migração de pessoas das
atividades informais para as formais, ou do setor de subsistência para o setor
moderno, eleva o nível médio de produtividade da economia, amplia o mercado de
consumo e pode dar origem a intenso processo de crescimento econômico. Enquanto
perdura a oferta ilimitada de mão de obra, o limite superior de crescimento da
economia é dado por outras restrições, como a disponibilidade de capital, de
empreendedor, gargalos na infraestrutura, limitações de tamanho de mercado, má
distribuição de renda, relações externas etc.
São muitos os exemplos,
incluindo o Brasil do imediato pós-guerra, de processos de crescimento marcados
pelo deslocamento de pessoas de atividades de baixa produtividade para outras
de atividades de média ou alta produtividade.
Quando o processo de
transferência de força de trabalho do setor de baixa produtividade para o setor
moderno se exaure, o crescimento da economia pode desacelerar porque a
produtividade média passa a crescer mais lentamente. A esse dilema o professor
Otaviano Canuto vem denominado de “a armadilha da renda média”.
Nesse estágio, a continuidade
do crescimento da produtividade da economia, e, portanto, a sustentabilidade do
incremento da produção e do progresso social, passa a requerer uma
transformação qualitativa mais complexa, em competição direta com os países de
elevada renda, por meio de investimentos intensivos em qualificação de recursos
humanos, em inovação e em capacitação empresarial. Na prática, os países
precisam se antecipar, porque os processos correm paralelamente.
Ciclo
O ciclo econômico expansivo
iniciado em 2004 provocou importantes avanços no mercado de trabalho do Brasil
em que duas características podem ser destacadas. De um lado, a taxa
desocupação nas regiões metropolitanas caiu de 12,2%, em 2002, para 5,5%, em
2012. De outro, o rendimento médio, impulsionado pelos aumentos reais de
salário mínimo e pela formalização no mercado de trabalho, tem crescido acima
da inflação.
Alguns especialistas têm
apontado, sem apresentar, todavia, dados mais convincentes, que o período de
oferta elástica e de baixo custo de mão-de-obra no Brasil teria se encerrado, o
que traria, inclusive, grandes benefícios para um país que, historicamente,
paga salários muito baixos.
Diante da ocupação quase plena da força de trabalho, o
potencial de crescimento do PIB nos próximos anos ficaria limitado à modesta
taxa de expansão da população economicamente ativa e de incrementos de produtividade
provenientes da elevação da qualificação profissional e de ampliação da taxa de
poupança agregada.
Nessa contabilidade faltou
considerar, todavia, o espaço ainda relativamente amplo de crescimento da
produtividade decorrente da transferência de mão-de-obra do setor informal para
o setor formal, ou ainda de atividades formais de menor produtividade para
outras de produtividade mais elevada. Essa transferência não é automática. Não
será bem sucedida sem um grande empenho na elevação da escolaridade e investimentos
na qualificação profissional.
Outros aspectos também
precisam ser considerados. O patamar da taxa de câmbio, que influencia o
rendimento relativo entre as atividades, pode ter um peso significativo na
alocação de força de trabalho em setores de maior ou menor produtividade.
Nordeste
Apesar de, nos últimos dez
anos, a geração de empregos formais ter sido bem mais intensa nas regiões mais
pobres, a situação do mercado de trabalho é bem distinta nelas. Mais da metade
da força de trabalho ocupada no Norte e Nordeste, em 2010, possuía vínculos
informais no mercado de trabalho, entre empregados sem carteira de trabalho e
empregadores e pessoas por conta própria não contribuintes da previdência.
Em termos absolutos, o contingente
de pessoas ocupadas em atividades informais no Nordeste é da mesma ordem de
grandeza do presente na região Sudeste, 12,4 milhões de pessoas e 12,7 milhões
respectivamente. Em termos relativos, 59,4% das pessoas ocupadas no Nordeste e
33,4% do Sudeste, em 2010, mantinham vínculos informais no mercado de trabalho
(ver Gráfico).
As empresas mais intensivas
em mão-de-obra já se mostram atentas ao novo quadro de mercado de trabalho
brasileiro e têm, crescentemente, buscado no Nordeste, além de incentivos
fiscais e mercado em forte ampliação, a disponibilidade de força de trabalho, muitas
vezes situada fora dos principais centros urbanos.
Para a região cabe, ao tempo
em que atrai os investimentos intensivos em mão-de-obra, a fim de absorver o
excedente estrutural de força de trabalho, se preparar para a transição de maior
envergadura, em direção a atividades que requerem conteúdo tecnológico mais
elevado e recursos humanos adequados a esse novo padrão.
Publicado no Jornal da Cidade em 17/03/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário