Ricardo Lacerda
Desde 1º de janeiro vigora o novo valor
do salário mínimo nacional, de R$ 724, que corresponde a um reajuste de 6,78%
em relação aos R$ 678 estabelecidos em janeiro do ano passado. É o terceiro dos
quatro reajustes anuais com base nas regras estabelecidas na
política de valorização do salário mínimo, definida na Lei 12.382, de 2011, em
que o
novo valor é calculado de acordo com variação anual do Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (INPC), mais a taxa de crescimento do PIB de dois anos antes.
Depois do reajuste do próximo ano, deverá ser votada nova lei, mantendo ou
alterando a regra atual de reajuste.
Ganho real
Depois de ter
atingido o fundo de poço em 1995, corroído pelo descontrole do processo
inflacionário do final dos anos oitenta, o salário mínimo apresentou uma débil
e lenta recuperação do seu poder de compra até 2004 e a partir de 2005 iniciou um
período de expressivo aumento real. Segundo estimativa do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), entre abril de
2002 e janeiro de 2014, o salário mínimo apresentou aumento real de 72,4%.
A elevação do salário
mínimo nesse período produziu importantes efeitos sobre o mercado de trabalho e
no poder de compra das famílias, além do impacto em termos de redistribuição
espacial da renda no território brasileiro, em favor das regiões e áreas mais
pobres.
Entre outros
aspectos, o valor do salário mínimo baliza o pagamento de milhões de
trabalhadores no setor público e no setor privado e os benefícios de
aposentados e pensionistas do sistema previdenciário. O singelo incremento de
R$ 46 auferidos mensalmente a partir do corrente mês deverá injetar na economia
brasileira, segundo estimativa DIEESE, algo em torno de R$ 28 bilhões de reais ao
longo do ano.
Na estimativa do
DIEESE, a elevação do salário mínimo impacta os rendimentos de 48 milhões de
brasileiros, entre empregados, empregadores, trabalhadores por conta própria e
beneficiários da previdência.
Sergipe
O aumento real do
salário mínimo é muito mais impactante nos estados e nas áreas mais pobres do
país. Segundo a Pesquisa Anual de Amostra Domiciliar (PNAD) do IBGE, referente
a 2012, quase a metade das pessoas (48,5%) de 10 anos ou mais ocupadas na
região Nordeste naquele ano auferia rendimento mensal em todos os trabalhos a
que se dedicavam de até um salário mínimo. Na média do Brasil, essa proporção é
de pouco mais de uma em cada quatro pessoas (27,8%).
Em Sergipe, 467 mil
trabalhadores tinham rendimento mensal de até um salário mínimo, equivalentes a
47,8% do total das pessoas ocupadas em 2012 (ver Tabela). Agregando-se mais uma
faixa de rendimento, obtém-se que 70% dos trabalhadores sergipanos ocupados, ou
686 mil pessoas, recebiam até dois salários mínimos. No cume da pirâmide
salarial, apenas 12 mil trabalhadores recebiam acima de 10 salários mínimos, equivalentes
a 1,2% do pessoal ocupado naquele ano. É razoável estimar que o aumento do
salário mínimo injete um pouco mais de R$ 300 milhões na economia sergipana.
Tabela: Sergipe. Número de pessoas de 10 anos ou
mais ocupadas em 2012, por classe de rendimentos de todos os trabalhos
|
||||
Classes de salário
mínimo
|
Mil pessoas
|
Participação %)
|
||
Por classe
|
Acum.
|
Por classe
|
Acum.
|
|
Até 1/2
|
152
|
152
|
15,5
|
15,5
|
Mais de 1/2 a 1
|
315
|
467
|
32,2
|
47,8
|
Mais de 1 a 2
|
219
|
686
|
22,4
|
70,1
|
Mais de 2 a 3
|
52
|
738
|
5,3
|
75,5
|
Mais de 3 a 5
|
60
|
798
|
6,1
|
81,6
|
Mais de 5 a 10
|
36
|
834
|
3,7
|
85,3
|
Mais de 10 a 20
|
8
|
842
|
0,8
|
86,1
|
Mais de 20
|
4
|
846
|
0,4
|
86,5
|
Sem rendimento
|
124
|
970
|
12,7
|
99,2
|
Sem declaração
|
8
|
978
|
0,8
|
100
|
SOMA
|
978
|
100
|
Fonte: PNAD 2012, IBGE
Prós
e contras
Nos parágrafos
iniciais do prefácio de seu clássico trabalho Princípios de Economia Política e
Tributação, publicado em 1817, David Ricardo já alertava que a principal
questão da economia política é determinar as leis econômicas que regulam a
distribuição da riqueza produzida entre o dono do capital, o proprietário dos
recursos naturais e os trabalhadores. Ponderava o economista clássico que as
proporções se alteram ao longo do tempo, de acordo com a evolução da produtividade
dos fatores de produção e com a escassez relativa deles.
Os aumentos reais do
salário mínimo têm sido um dos principais fatores que explicam a redução da
desigualdade de renda nos últimos dez anos no Brasil e são especialmente
importantes para muitas categorias profissionais que atuam no setor de
serviços, inclusive em uma das maiores delas, a dos trabalhadores domésticos. Têm
sido também um dos principais fatores de ampliação do mercado de consumo no
país.
Apesar disso, muitos
setores vêm se manifestando contrariamente à prorrogação da atual regra de
reajuste do salário mínimo por um novo período, argumentando que aumentos
salariais superiores ao incremento da produtividade resultam em pressões inflacionárias
e perda de competitividade da produção interna frente aos concorrentes de fora
do país, além do seu impacto sobre as finanças dos estados e municípios e nas
contas da previdência. Como fica implícito na citação de David Ricardo,
acréscimos de rendimento acima do incremento da produtividade somente são
realizáveis quando envolvem uma redistribuição de renda entre as classes
sociais ou entre diferentes faixas no interior de uma classe.
Em um país cujos salários de base se distanciam
exageradamente dos rendimentos recebidos pelos estratos sociais mais elevados,
a política de valorização do salário mínimo, estipulando reajustes anuais acima
da inflação do período, é mais do que bem vinda, é uma exigência da cidadania.
Publicado no Jornal da Cidade em 12/01/2014
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