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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Crise econômica: como chegamos aqui e como superá-la

por Ricardo Carneiro* — publicado 30/01/2017 11h31

A recuperação prometida pelo governo Temer não se confirmou. A recessão brasileira é mais profunda e as medidas adotadas até agora não são a solução
De início, é forçoso assinalar: vivemos uma crise comandada pelos estoques e não uma convencional determinada pelos fluxos. Vale dizer, uma recessão originada nos balanços. Entre 2011 e 2014, o movimento predominante é o da deterioração dos fluxos, como resultado da desaceleração do crescimento. No biênio posterior, 2015/2016, a característica essencial é a dos choques simultâneos, promovido pela política macroeconômica, a crise política e a consequente degradação dos balanços...

* Professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e ex-diretor pelo Brasil do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de julho de 2012 a junho de 2016.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Destruição do emprego em 2016: em quais setores o Nordeste teve pior desempenho

Ricardo Lacerda
Depois de registrar a redução 1.542.371 empregos celetistas em 2015, a economia brasileira voltou a desempregar em 2016; mais 1.321.994 empregos formais foram eliminados, totalizando 2,86 milhões de empregos a menos nos dois anos de recessão profunda.
Em 2016, as regiões Norte, Sudeste e Nordeste apresentaram as maiores taxas de retração no emprego celetista, respectivamente, 4,36%, 3,78% e 3,63%, enquanto as regiões Sul e Centro-Oeste registraram quedas abaixo da média do país, 2,03% e 2,12%.  A média nacional foi de queda de 3,3%. A região Sudeste concentrou cerca de 60% da retração do emprego, com corte de 788,6 mil vínculos formais (ver Tabela 1).
Nordeste
O Nordeste contava em dezembro de 2015 com 6,58 milhões de empregos celetistas, equivalentes a 16,6% do total do país, ainda que a região participe com 27,8% da população nacional, o que bem representa o seu hiato de desenvolvimento frente à média do país. Em 2016, o Nordeste eliminou 239,3 mil empregos formais, 18,1% do que foi perdido nacionalmente. Em dois anos de recessão, quase quinhentos mil empregos formais foram eliminados no Nordeste, região que detém ao lado do Norte, o mais elevado grau de informalidade no mercado de trabalho.  Os quantitativos de perda de emprego por região estão apresentados na tabela 1.


Tabela 1. Brasil e regiões: Saldo do emprego formal em 2016
Brasil e Regiões
SALDO
Part. na redução de 2016 (%)
Participação no estoque em dez de 2015 (%)
Taxa de crescimento %
Brasil
-1.321.994
100
100
-3,33
Norte
-80.415
6,08
4,65
-4,36
Nordeste
-239.239
18,10
16,60
-3,63
Sudeste
-788.558
59,65
52,52
-3,78
Sul
-146.472
11,08
18,22
-2,03
Centro-Oeste
-67.310
5,09
8,02
-2,12

Fonte: MTPS-CAGED

Atividades 
No conjunto do país, a eliminação de vínculos empregatícios formais foi generalizada entre os ramos de atividades econômicas. As maiores perdas absolutas se concentraram no ramo de serviços, 390,1 mil vínculos empregatícios eliminados, na construção civil, 358,7 mil, na indústria de transformação, 322,5 mil, e nas atividades comerciais (varejo e atacado), 204,4 mil, que são as atividades mais importantes em termos de vínculos empregatícios no país.
Entre elas, todavia, a que apresentou a queda relativa mais acentuada foi a construção civil que em apenas um ano perdeu 13,48% de todo o seu estoque do emprego, mais do que o dobro de qualquer outro ramo de atividade. Como se sabe, a atividade vem sendo castigada pelo estouro da bolha imobiliária e pela paralisia das obras públicas, em parte por conta da crise nas finanças nas três esferas de governo, em parte por conta dos escândalos de corrupção que vêm desorganizando o setor (ver Tabela 2).

Tabela 2. Brasil e regiões: Saldo do emprego formal em 2016 segundo setor de atividade
SETORES
BRASIL
NORDESTE
 SALDO
 VARIAC. EMPR %
 SALDO
 VARIAC. EMPR %
TOTAL
-1.321.994
-3,33
-239.239
-3,63
EXTRATIVA MINERAL
-11.888
-5,67
-2.423
-6,88
IND. DE TRANSFORMAÇÃO
-322.526
-4,23
-39.593
-3,78
SERV INDUST DE UTIL PÚBLICA
-12.687
-3,07
-7.561
-8,70
CONSTRUÇÃO CIVIL
-358.679
-13,48
-86.107
-15,06
ATIVIDADES COMERCIAIS -VAREJO E ATACADO
-204.373
-2,22
-48.214
-2,97
SERVIÇOS
-390.109
-2,28
-55.546
-2,01
ADM. PÚBLICA
-8.643
-0,97
90
-0,04
AGROPECUÁRIA
-13.089
-0,84
115
0,04

Fonte: MTPS-CAGED

Comparativo regional

Entre as principais atividades empregadoras, o corte de vínculos formais no Nordeste em 2016 foi mais alto do que a média do Brasil na construção civil e nas atividades comerciais (varejo e atacado) e foi relativamente menos acentuado na indústria de transformação e no segmento de serviços.
Ainda que a perda de emprego também tenha sido generalizada na região (apenas a agropecuária e os empregos celetistas na administração pública tiveram incrementos de emprego mesmo assim insignificantes) foi a construção civil que liderou a perda de emprego em termos absolutos e em termos relativo, com a eliminação de 86,1 mil vínculos, número muito superior aos 55,5 mil empregos perdidos nos segmentos de serviços, o segundo que mais desempregou. Na região, foram eliminados -15,06% de todos os vínculos formais na construção civil. A terceira atividade que mais desempregou na região em 2016 foi o comércio, 48, 2 mil vínculos eliminados, e a quarta o comércio varejista e atacadista, -39,6 mil.
A estatística do corte do emprego por setor de atividade revela um dado curioso que ainda carece de explicação: do total de 12.687 empregos formais eliminados no setor de serviços industriais de utilidade pública, que abrange o fornecimento de água, saneamento e energia e os serviços de limpeza pública, 7.561 se concentraram na região Nordeste, cerca de 60% do total do país, participação muito desproporcional ao peso que a região tem no emprego total.
Chama atenção ainda o fato de que a região em que o consumo cresceu bem acima do país no ciclo expansivo de 2004 a 2014 em 2016 a atividade comercial tenha desempregado mais do que a média do país.

Entre os subsetores da indústria de transformação do Nordeste, o corte de emprego atingiu fortemente as suas atividades mais importantes na ocupação de mão-de-obra, como a indústria de alimentos e bebidas e a têxtil-confecção. Em termos relativos, a queda do emprego no segmento têxtil-confecção na região Nordeste foi mais do que o dobro da média nacional, assim como em outro importante segmento da indústria de transformação regional, a de produtos químicos e farmacêuticos.

Publicado no Jornal da Cidade, em 29/01/2017

domingo, 15 de janeiro de 2017

Tempos incertos

Ricardo Lacerda*             
2017 será ainda um período de grandes dificuldades para a economia brasileira que deverá enfrentar o quarto ano sem crescimento, entre estagnação e queda do nível de atividade, e o terceiro ano de intensa deterioração do mercado de trabalho. Segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2017 mais um milhão e duzentos mil brasileiros serão incorporados ao contingente de desempregados.
O Banco Mundial publicou na semana que passou a edição de janeiro de 2017 do relatório semestral Perspectivas Econômicas Globais, cujo subtítulo dessa vez ressalta a fragilidade dos investimento em tempos marcados por fortes incertezas. O documento pode ser acessado no link http://www.worldbank.org/en/publication/global-economic-prospects. Para o Banco Mundial, em 2016 o comércio global estagnou, o investimento desacelerou e as incertezas políticas se ampliaram.
Em linhas gerais, o relatório ressalta o aumento das incertezas associadas ao recrudescimento do protecionismo nos países centrais e os riscos de piora nas condições de financiamento externo ameaçando as perspectivas de crescimento da economia mundial. Fica implícito o temor dos impactos globais caso o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, venha, como vem anunciando, adotar linha de atuação de forte protecionismo no mercado interno e que, dado o peso da economia daquele país, o comércio internacional sofra um revés importante.
Condicionantes

São cinco os destaques no relatório do Banco Mundial: em 2016, o crescimento da economia mundial encolheu para 2,3%, frente à expansão de 2,7% em 2015. O comércio internacional, por sua vez, se encontra estagnado, deixando de operar como mecanismo de impulso ao crescimento econômico. De fato, no mundo pós-crise financeira, as taxas de expansão do comércio mundial se situaram muito abaixo do período imediatamente anterior a 2008 e tanto em 2014 quanto em 2015 o volume de bens transacionados internacionalmente registrou expressiva desaceleração na taxa de incremento.
Como vem se verificando nos relatórios de primeiro semestre dos últimos anos, o Banco Mundial, assim como o Fundo Monetário Internacional, estima recuperação moderada na taxa de crescimento da economia mundial no ano que se inicia que depois é revista para baixo nos relatórios de segundo semestre e do início do ano seguinte, a fim de se adequar aos resultados que vão se tornando públicos.
Para 2017, o relatório projeta crescimento de 2,7% na economia mundial, decorrente principalmente de certa aceleração da expansão nas economias em desenvolvimento e no mercados emergentes. Enquanto as economias ditas avançadas apresentariam uma melhoria muito modesta, passando de 1,6%, em 2016, para 1,8%, em 2017, as economias emergentes e em desenvolvimento acelerariam de 3,4% para 4,2% (ver Quadro). A melhoria nos preços das commodities e o incremento nos investimentos diretos estrangeiros seriam os principais vetores capazes de reanimar essas economias em 2017 e anos seguintes. A elevação nos preços das commodities, particularmente mas não exclusivamente de petróleo, deverá melhorar os termos de troca dos países exportadores desses bens, o que ajudará a alavancar suas taxas de crescimento e estreitar o hiato de ritmos de crescimento em relação aos países importadores de commodities.  Esses são os pontos 2 e 3 destacados no relatório,  
O quarto ponto apontado é a expectativa de adoção de fortes estímulos fiscais nas economias centrais, notadamente nos EUA. Para o relatório, a utilização de mecanismos fiscais para acelerar o crescimento econômico e gerar emprego, em acordo com que vem anunciando o virtual presidente norte-americano, poderá provocar aceleração no crescimento daquele país com possível impacto sobre o crescimento global acima da taxa estimada.
O relatório frisa que as projeções de crescimento global para 2017 estão sujeitas a incertezas substanciais. Esse é quinto e último destaque. Persistiria um elevado grau de incerteza política que teria sido exacerbada pelos acontecimentos de 2016, especialmente os resultados da disputa presidencial dos Estados Unidos e na decisão do Reino Unido de abandonar a União Europeia.

Perduram ainda riscos associados a disrupções no mercado financeiro por conta de condições mais restritas de acesso ao financiamento globais e que podem ser ampliados caso se confirme a escalada de tendências protecionistas, o que poderia redundar em crescimento mais lento e maior vulnerabilidade em algumas economias em desenvolvimento e mercados emergentes.

Avançadas e emergentes
Depois da intensa desaceleração em 2016, quando o crescimento encolheu de 2,1% para 1,6%, as economias avançadas deverão apresentar modesta retomada em 2017 e 2018, quando deverão crescer 1,8% em cada ano, impulsionadas pelo maior crescimento da economia dos EUA, posto que a Zona do Euro e o Japão não deverão acelerar o ritmo de expansão (ver Quadro). É importante registrar que a economia norte-americana deve ter crescido em 2016 em ritmo inferior aos de 2014 e 2015.
A aceleração dos países emergentes será impulsionada pelos resultados menos desastrosos de países exportadores de commodities, muito especialmente Brasil, Argentina e Rússia, que em 2016 devem ter recuado, respectivamente, 3,4%, 2,3% e 0,6%. Para 2017, o relatório projeta a retomada do crescimento na Rússia (1,5%) e Argentina (2,7%) e expansão residual na economia brasileira (0,5%). O grupo de países exportadores de commodities, que registraram estagnação em 2015 e 2016, deverão crescer 2,3% em 2017.
Não bastassem as incertezas da economia mundial, conviveremos em 2017 com um cenário interno marcado pela instabilidade inerente aos desdobramentos da crise política brasileira e pelas enormes dificuldades em reanimar o nível de atividade interna.

____________________________________________________
Quadro. Projeção de crescimento do PIB em 2017 e 2018 (%)
___________________________________________________
Itens
2014
2015
Estima-tiva
Projeções
2016
2017
2018
MUNDO
2,7
2,7
2,3
2,7
2,9
ECONOMIAS AVANÇADAS
1,9
2,1
1,6
1,8
1,8
EUA
2,4
2,6
1,6
2,2
2,1
Eurozona
1,2
2,0
1,6
1,5
1,4
Japão
0,3
1,2
1,0
0,9
0,8
EMERGENTES E EM DESENVOLVIMENTO
4,3
3,5
3,4
4,2
4,6
Exportadores de commodities
2,1
0,4
0,3
2,3
3,0
Outros emergentes
6,0
6,0
5,6
5,6
5,7
China
7,3
6,9
6,7
6,5
6,3
América Latina e Caribe
0,9
-0,6
-1,4
1,2
2,3
Brasil
0,5
-3,8
-3,4
0,5
1,8
México
2,3
2,6
2,0
1,8
2,5
Argentina
-2,6
2,5
-2,3
2,7
3,2
Rússia
0,7
-3,7
-0,6
1,5
1,7
Índia
7,2
7,6
7,0
7,6
7,8

Fonte: Worldbank. GEP, jan 2017
Publicado no Jornal da Cidade, 15/01/2017