Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

sábado, 31 de dezembro de 2016

Preservar o estado de bem-estar social

Ricardo Lacerda
O necessário e inadiável ajuste fiscal vem sendo instrumentalizado como uma insidiosa estratégia para debilitar o estado de bem-estar duramente construído desde a redemocratização do país em 1985.
 Ao final do período de transição, a “pinguela” que segmentos mais poderosos e influentes do establishment exigem que o governo Michel Temer atravesse em direção a um modelo de funcionamento da economia menos regulado, muitas das conquistas sociais elementares poderão ter sido sacrificadas em nome da austeridade e de supostos ganhos de competitividade.
Para deixar claro, não se trata aqui de defender ganhos extraordinários de categorias funcionais privilegiadas, que são mesmo indefensáveis, e sim de questionar a desconstrução acelerada das políticas públicas e do estado de bem-estar social consagrado na constituição de 1988.  Há mais de um caminho para cortar despesas como há mais de uma possibilidade de reduzir os custos de transação da economia e aprimorar o funcionamento das instituições. E retirar direitos básicos da cidadania absolutamente não equivale a tornar a economia mais eficiente.
Não significam a mesma coisa fazer o ajuste fiscal e desestruturar as políticas públicas voltadas para as faixas mais pobres da população.  Não significam a mesma coisa sanear as contas previdenciárias e desvincular os benefícios previdenciários do reajuste do salário mínimo, sacrificando as faixas de população mais vulneráveis. Não significam a mesma coisa buscar a sustentabilidade do sistema previdenciário adequando-o às mudanças demográficas e ajustando-o às perdas causadas pela recessão e penalizar amplas faixas da população e promover os interesses pouco disfarçados das instituições financeiras em expandir a previdência complementar.
Não se equivalem reduzir a burocracia e adotar outras medidas voltadas para melhorar o funcionamento das instituições e realizar a toque de caixa uma reforma trabalhista que retira garantias básicas nas relações de trabalho. Não significam a mesma coisa fazer valer o teto da remuneração do setor público e promover uma reforma do ensino médio autoritária e excludente.
Em suma, não se equivalem os custos relacionados ao ajuste fiscal e os custos decorrentes de uma transição para um modelo de sociedade ainda mais excludente do que a que temos no Brasil.
Os custos da transição
O processo de ajuste da economia brasileira se iniciou no final de 2014 quando o ainda virtual ministro Joaquim Levy anunciou medidas de correção nos preços administrados, como os de energia elétrica e combustíveis e no câmbio, ao que se seguiu a adoção do seu programa de contenção nas despesas públicas.
O impacto da inflação corretiva, potencializado pelos efeitos da estiagem sobre os preços agrícolas, em termos de corrosão do poder de compra das famílias foi tremendo: já no 1º trimestre de 2015 o consumo das famílias despencou incríveis 2,8%, em relação ao último trimestre de 2014, iniciando a série de sete trimestres de queda até o 3º trimestre de 2016, por enquanto (ver Gráfico).
Ao longo de 2015, o consumo das famílias acumulou uma queda, trimestre após trimestre, de 6,9%, perda que alcançou 9,8% no acumulado até o 3º trimestre de 2016. Nenhum analista, no mais amplo espectro político e teórico que possa ser considerado, antecipou uma reação de tal proporção. O fato duro e real é que nem o ministro Levy, nem o ministro Barbosa, que o sucedeu, tiveram a menor oportunidade de buscar o ajuste da economia. O esmagador cerco político ao governo inviabilizou qualquer tentativa de reequilibrar as contas publicas.
Diante da crise política, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que deixara de crescer desde o 3º trimestre de 2013, na sequência das manifestações de ruas concentradas em junho e julho daquele ano, despencou impressionantes 18,4% ao longo de 2015, sempre na série dessazonalizada (ver Gráfico). A recessão foi agudizada pela desestabilização do governo causando sofrimento muito além do requerido a um ajuste fiscal em condições políticas menos dramáticas.
Com a posse do novo governo em maio de 2016, o Brasil vem promovendo a dolorosa transição que estamos presenciando e que deve se estender pelos próximos anos. O descaminho da economia nos últimos anos não pode ser divorciado do processo de desestabilização política.

Fonte: IBGE.CNT.



Diante da hegemonia do discurso antipopular e excludente fortalecido na esteira da crise é impraticável estabelecer um debate franco sobre caminhos alternativos para realizar o ajuste fiscal.  Resta apenas cavar trincheiras para preservar as conquistas mais significativas do estado de bem-estar. E lembrar que novas hegemonias serão formadas ou reelaboradas. E que nada será como antes, amanhã. 

Publicado no Jornal da Cidade, 01 de janeiro de 2017

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Maiores e menores PIBs e PIBs per capita entre os municípios sergipanos (1)


Ricardo Lacerda
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou há duas semanas atrás os dados dos PIBs municipais brasileiros referentes ao ano de 2014. Na série apresentada, os dados são comparáveis para o período 2010-2014, posto que para os anos anteriores utilizou-se metodologia distinta.
No artigo de hoje examinaremos os municípios sergipanos que apresentaram os maiores PIBs e PIBs per capita nos anos extremos dessa série, 2010 e 2014. Ao se enfocar esse tema serão ressaltados os efeitos da longa estiagem nos PIBS municipais e, consequentemente, na participação e no ranking estadual, ao lado de outros aspectos.
Setores
Os efeitos da seca repercutiram sobre a participação de duas importantes atividades econômicas de Sergipe, a agropecuária e a atividade denominada de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação, agrupamento que anteriormente, com algumas diferenças, era conhecido com SIUP (Serviços Industriais de Utilidade Pública).  
Na comparação entre 2010 e 2014, a participação da agropecuária no Valor Adicionado Bruto (VAB) caiu de 6,38% para 5,23%, ou seja 1,15 ponto percentual. No caso das atividades integrantes do SIUP, a queda na participação do VAB de Sergipe foi muito mais acentuada, de 8,52% para 3,33%, perda de 5,2 pontos percentuais, decorrente do impacto da estiagem sobre a geração de energia pela Usina Hidroelétrica de Xingó, situada no rio São Francisco, na divisa entre Sergipe e Alagoas.  
A contraface dos recuos nas participações do setor agropecuário e do setor industrial, esse último quase exclusivamente por conta da influência do resultado do SIUP, posto que a indústria de transformação e a extração de minerais aumentaram seus pesos, foi a ampliação na participação do setor serviços, de 64,66% para 70,12%, ou seja, 5,46 pontos percentuais. Nesse período, quase todas a as atividades do setor serviços tiveram incremento na participação do VAB, com destaque para educação, saúde, comércio, atividades profissionais, atividades imobiliárias e atividades financeiras. As exceções foram transporte e armazenagem e o agrupamento de outros serviços.
 A essa mudança nos pesos dos setores corresponderam algumas mudanças importantes no ranking das maiores economias entre os municípios sergipanos, com algumas dignas de destaque.
 Ranking
A lista dos 15 maiores municípios em termos de PIB se encontra na Tabela apresentada. Em 2014 lideravam a geração de riqueza em Sergipe, depois da capital Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, Estância, Itabaiana, Lagarto, Laranjeiras, Itaporanga D`Ajuda e Carmópolis.
A mudança de maior vulto foi a perda de oitos posições do município de Canindé do São Francisco, que sedia a usina hidrelétrica de Xingó, passando de terceiro maior PIB municipal em 2010 para o 11º lugar em 2014.  O impacto foi de tal dimensão que o município que liderava o ranking do PIB per capita entre os municípios sergipanos despencou para o 9º lugar, cedendo a primazia para Rosário do Catete, que sedia o empreendimento de exploração de potássio da empresa Vale. Curiosamente, Rosário do Catete perdeu quatro posições no ranking dos maiores PIBs municipais, passando do 8º maior PIB municipal para 12º, por conta da redução da produção de potássio no projeto Taquari-Vassouras e somente alcançou a liderança no PIB per capita porque a perda de participação de Canindé no PIB foi bem mais acentuada.
Aracaju
A situação de Aracaju é curiosa. A capital manteve a liderança na geração do PIB mas o PIB per capita local é apenas o 10º maior entre os municípios sergipanos, ainda que a renda per capita de Aracaju seja bem mais elevada do que nos demais municípios. Os nove municípios que apresentavam em 2014 PIB per capita mais elevado do que Aracaju, sem exceção, contam com grandes unidades de exploração de recursos minerais ou da indústria de transformação que geram um PIB relativamente elevado frente a uma população não muito grande. São eles:  Rosário do Catete, Divina Pastora, Carmópolis, Japaratuba, Laranjeiras, Siriri, Itaporanga d'Ajuda, Estância e Canindé de São Francisco.
Uma outra curiosidade em relação à situação de Aracaju é que o seu ganho de participação no PIB estadual entre 2010 e 2014 decorreu das perdas expressivas de participação de Canindé e Rosário no PIB industrial, o que fez elevar o peso da capital na geração da riqueza do setor, e por conta do aumento do peso do setor serviços na formação do PIB estadual, sem que Aracaju tenha significativamente aumentado seu peso na formação da riqueza no setor serviços, sejam dos serviços privados, sejam dos serviços públicos.  
Carmópolis e Japaratuba foram favorecidos por esse mesmo impacto da redução de Canindé e Rosário no produto industrial. Estância ganhou quatro posições no produção industrial, superando Canindé, Rosário, Carmópolis e Nossa Senhora do Socorro, tornando-se o segundo maior polo industrial de Sergipe.

No artigo da próxima semana, examinaremos as mudanças de participação entre os municípios que apresentam os menores PIBs.
Tabela: Os 15 maiores PIBs municipais de Sergipe.

2014
2010
DIFERENÇA 2010- 2014
Nome do Município
Part. No PIB (%)
Posição no PIB
Posição no PIB per capita
Part. No PIB (%)
Posição no PIB
Posição no PIB per capita
Na posição no PIB
Na posição no PIB per capita
Aracaju
39,75
1 º
10 º
36,37
11 º
-
+1
Nossa Sra. do Socorro
6,79
2 º
16 º
7,49
2 º
14 º
-
-2
Estância
4,73
3 º
8 º
4,20
4 º
8 º
+1
-
Itabaiana
3,82
4 º
14 º
3,30
5 º
19 º
+1
+5
Lagarto
3,28
5 º
25 º
2,86
6 º
29 º
+1
+4
Laranjeiras
2,64
6 º
5 º
2,70
7 º
6 º
+1
+1
Itaporanga d'Ajuda
2,34
7 º
7 º
1,98
11 º
7 º
+4
-
Carmópolis
2,16
8 º
3 º
2,11
10 º
3 º
+2
-
Japaratuba
2,10
9 º
4 º
1,87
12 º
5 º
+3
+1
São Cristóvão
2,10
10 º
46 º
2,19
9 º
40 º
-1
-6
Canindé de S. Francisco
1,82
11 º
9 º
6,48
3 º
1 º
-8
-8
Rosário do Catete
1,65
12 º
1 º
2,34
8 º
2 º
-4
+1
Nossa Sra. da Glória
1,37
13 º
15 º
1,14
14 º
20 º
+1
+5
Simão Dias
1,33
14 º
23 º
1,10
16 º
36 º
+2
+13
Barra dos Coqueiros
1,17
15 º
13 º
1,13
15 º
15 º
-
+2
Fonte: IBGE. Contas regionais

Publicado no Jornal da Cidade, em 25/12/2016