Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 20 de novembro de 2016

Varejo em queda livre


Ricardo Lacerda*
Desde o 1º trimestre de 2015, quando as medidas de ajuste da economia brasileira começaram a ser implementadas, que o comércio varejista vem decaindo. São sete trimestres subsequentes de encolhimento no volume de vendas. O dado novo do 3º trimestre de 2016 é que o ritmo de queda acentuou-se, registrando recuo de 1,7%, quando no 2º trimestre havia se retraído em 0,5%. No acumulado de janeiro a setembro, o volume de vendas do varejo caiu 6,5% em comparação com o mesmo período de 2015, queda muito superior à retração do PIB, quase dois pontos percentuais a mais. O varejo ampliado, que agrega ainda as vendas de veículos e peças automotivas e de materiais de construção, recuou incríveis 9,2% no acumulado do ano.
Sob o regime de ajuste, a economia brasileira enfrenta situação inversa a do período imediatamente anterior quando o varejo e o consumo cresciam à frente do PIB; no período de ajuste, consumo e varejo encolheram em ritmo mais acentuado do que o nível de atividade.
Restrições ao crédito, juros muito elevados, intensa deterioração do mercado de trabalho e a frustração em relação aos efeitos da melhoria confiança causada pela mudança de governo são alguns dos principais motivos que explicam o desempenho ruim do varejo e dificuldade em estabilizar o nível de vendas. A eles devem ser agregados outros fatores associados ao declínio do nível de atividade e à crise política, como a forte deterioração das finanças de estados e municípios que vem provocando atraso no pagamento do funcionalismo e dos fornecedores, os colapsos na construção civil e na construção naval e as dificuldade enfrentadas no setor de petróleo e gás.
Renda corrente e confiança
Os segmentos do varejo cujas vendas são mais dependentes de crédito e da confiança das famílias em relação ao futuro apresentaram quedas muito mais acentuadas do que aqueles que comercializam bens considerados mais essenciais e mais associados à renda corrente auferida. A perda de renda e a insegurança sobre o futuro estão fazendo com que as famílias cortem em profundidade as despesas que podem ser adiadas.
Assim, enquanto as vendas em hipermercados e supermercados, de produtos alimentícios, cigarros e bebidas e a de produtos farmacêuticos e cosméticos declinaram respectivamente 2,9% e 1,1% no acumulado de janeiro a setembro, na comparação com igual período do ano anterior, as vendas de bens de consumo duráveis apresentaram retrações bem mais acentuadas: o volume de vendas de veículos e peças caiu 14,6%; de móveis e eletrodomésticos, 12,8% e 13.9%; e de material de escritório, informática e comunicação (aparelhos celulares), 14,7% (ver Gráfico). Mesmo as vendas de bens semiduráveis como calçados e vestuário e do segmento de outros bens de uso pessoal ou doméstico vêm despencando, - 11,3% e -11,7% no acumulado de 2016.
As vendas de veículos e peças caíram 14,6% e as de materiais de construção no varejo, 12%.


Fonte: IBGE. PMC

3º trimestre
Na maioria das principais atividade do varejo a retração no 3º trimestre foi mais acentuada do que no 2º trimestre. As vendas no segmento de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo que haviam crescido no segundo trimestre do ano voltaram a cair na 3º trimestre.
As vendas do 3º trimestre foram especialmente ruins nos segmento de tecidos, calçados e vestuários (-5,5%), de móveis e eletrodomésticos (-5,5%) e no segmento de veículos e peças, com retração de 4,33%, depois de já terem se retraído 7,24% no trimestre anterior. Na tabela, foram marcadas as células em que a evolução no 3º trimestre foi pior do que no 2º trimestre.

Tabela. Taxa de crescimento do volume de vendas no varejo por atividades (%)
ATIVIDADES
2º T 2016
3º T_2016
Hiper, supermercados, alimentos, bebidas e fumo
0,47
-0,72
Combustíveis e lubrificantes
-1,12
-2,19
Tecidos, vestuário e calçados
0,75
-5,50
Móveis e eletrodomésticos
-2,07
-3,67
Farmacêuticos e cosméticos
-3,21
-2,10
Livros, jornais, revistas e papelaria
-6,96
-2,95
Mat de escritório, informática e comunicações
-6,77
-1,41
Outros produtos de uso pessoal e doméstico
-0,77
-2,22
Varejo 
-0,48
-1,66
Veículos e peças
-7,24
-4,43
Materiais de construção
-3,04
-1,83
Fonte: IBGE. PMC


O terceiro trimestre de 2016 indicou reversão ou pelo menos estancamento na trajetória de estabilização do nível de atividade da economia brasileira. Varejo, serviços e indústria frustraram as expectativas de que parariam de cair e retomariam o crescimento. Até o momento, o governo tem se manifestado mais preocupado com a trajetória da inflação do que com a nova aceleração da queda do nível de atividade.

domingo, 13 de novembro de 2016

Ruim por muito tempo

Ricardo Lacerda
Ao final de 2014, a economia brasileira iniciou um processo de ajuste fiscal que tem se revelado longo e penoso e que deverá se estender ainda por alguns anos. A economia brasileira ainda não atingiu o “fundo do poço” e, na verdade, nos últimos meses o processo de estabilização foi interrompido; indústria e comércio voltaram a acentuar a queda.

Longa recessão
O Gráfico apresentado acompanha a evolução do PIB nas quatro principais economias latino-americanas (Brasil, México, Colômbia e Argentina) depois da crise financeira internacional de 2008.  A Colômbia registrou comportamento bem superior às outras três economias. O PIB do Brasil parou de crescer desde 2014, e em 2015 e 2016 decresceu mais de 3% ao ano. Em 2017, deveremos parar de cair.

Fonte: FMI-WEO.
A economia brasileira não deverá deslanchar antes de 2018. Ainda assim a retomada vai depender de uma série de variáveis internas, como a instabilidade política associada aos processos de investigação criminal de políticos e do mundo corporativo, e externas, o que vai acontecer com as economias dos EUA, União Europeia e China.
Há consenso sobre a necessidade do país realizar o ajuste de suas contas públicas. As discordâncias dizem respeito: a) ao caminho a ser trilhado; b) ao custo social e econômico do ajuste e, sobretudo; c) quais segmentos sociais vão arcar com a maior parte do ônus.
A principal dificuldade de ordem prática é como inverter de negativo para positivo o resultado primário quando a arrecadação federal vem despencando a taxas muito acentuadas.  Frente à continuidade da queda nas receitas públicas, o governo federal provavelmente deverá recorrer a aumentos de tributação.

Do ponto de vista do longo prazo, o problemático não é fazer o ajuste fiscal e sim a transição que se esconde por trás dele, desde a implementação de um amplo corte nas políticas sociais, passando pela precarização do mercado de trabalho e alcançando seu objetivo primordial, o encolhimento do peso do estado da economia e regressão parcial do estado de bem-estar.

Muito provavelmente, após o ajuste fiscal, o Brasil terá transitado para um novo formato do estado, mais parecido com o que tínhamos nos anos noventa. Caso isso de fato seja concretizado, não há dúvida de quem serão os perdedores em termos regionais, o Nordeste e o Norte, muito especificamente as pessoas e as sub-regiões que mais dependem da ação do estado.
O ajuste fiscal
O Banco Central esclareceu na ata da última reunião do COPOM e nas comunicações de seu presidente que não se impressiona com os números muitos ruins do nível de atividade no terceiro trimestre e que vai continuar perseguindo a meta de inflação para 2017, seja a que custo for. O custo não é difícil de dimensionar: continuidade por alguns trimestres da deterioração do mercado de trabalho, agravamento das dificuldades na situação das finanças nas três esferas de governo e o acúmulo de dificuldades nas finanças empresariais.  
Nessa estratégia, o processo de estabilização e de início da retomada será necessariamente muito gradual. Decorrerá não de medidas de impulso à demanda interna, que se revelaram pouco eficazes no passado recente. Tampouco será impulsionado pelas vendas ao exterior que abortaram a esperança de um crescimento robusto, em parte por conta do comportamento do recente do câmbio.
A retomada, portanto, ficará na dependência, de um lado, do próprio mecanismo de amortecimento do ciclo de negócios, relacionado à interação entre o acelerador e o multiplicador, em que progressivamente as quedas do consumo e a deterioração do mercado de trabalho vão se tornando menos acentuadas, até que em algum momento se atinge um piso, que não se sabe exatamente qual é.  De outro lado, a recuperação dependeria ainda dos efeitos positivos dos ganhos de confiança entre investidores externos e entre famílias e empresas associados à demonstração de compromisso do governo com a austeridade fiscal e monetária. À medida que a inflação convirja para a meta projetada os juros nominais deverão declinar.  Parece pouco, e de fato é.

 Publicado no Jornal da Cidade, em 13/11/2016

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Reversão da indústria no 3º trimestre

Ricardo Lacerda
Quando o então ministro da fazenda Joaquim Levy iniciou seu programa de ajuste fiscal e de correção do câmbio, na passagem de 2014 para 2015, o impacto sobre o nível de atividade foi muito mais rápido e intenso do que se previra. A queda abrupta do nível de atividade não demorou a repercutir na arrecadação das três esferas de governo acentuando celeremente a deterioração das contas públicas.
Não tardou a ficar patenteado que o ajuste duro e de duração relativamente curta imaginado pelo ministro Levy não funcionou, em parte por conta do cerco político ao governo que impediu a aprovação das propostas de ajuste pelo parlamento. Àquela altura dos acontecimentos, ampla coligação entre parcelas crescentes da classe política, empresariado, sistema judiciário e grande mídia, cada segmento com suas próprias motivações, havia dobrado a aposta no colapso da governabilidade a fim de provocar a derrubada do governo recém-eleito.
O sucessor de Joaquim Levy, o ministro Nelson Barbosa, enunciou na sua posse nos últimos dias de 2015 que era urgente estabilizar o nível de atividade e que o ajuste fiscal necessariamente deveria ser gradual. Em linhas gerais, a equipe de Meirelles, que assumiu o comando da economia no início de maio de 2016, deu sequência a essa estratégia, com a vantagem de contar com o apoio político que o establishment negara a seus antecessores mas com a brutal desvantagem de que a situação fiscal havia se degradado muito nesse interregno de quase um ano e meio de forte queda do PIB.
Ao final de 2016, quase seis meses depois de afastada a presidente eleita e completando cerca de dois anos do início das políticas de ajuste fiscal, o nível de atividade econômica ainda não se estabilizou. O comportamento da atividade industrial, parece-nos, reflete as dificuldades encontradas em estabilizar a economia e, ao mesmo tempo, concorre para postergar o início da a estabilização.
Produção industrial
A publicação da Pesquisa Industrial Mensal de agosto, indicando queda no volume de produção de 3,8% em relação a julho, abriu a temporada de revisão para baixo das projeções de evolução do PIB brasileiro de 2016 e de postergação do início da recuperação, mesmo que em ritmo muito gradual, do nível de atividade econômica. O anuncio de crescimento de 0,5% na produção industrial de setembro não foi suficiente para injetar otimismo nas perspectivas de crescimento.
A produção industrial do terceiro trimestre recuou 1,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Com esse resultado, inverteu-se a tendência de estabilização do nível de atividade do setor que no 1º trimestre de ano havia reduzido pela primeira vez o ritmo de queda e no segundo trimestre obteve crescimento de 1,1% (ver Gráfico 1).

Fonte: IBGE-PIM
O resultado da produção industrial do terceiro trimestre foi muito ruim, especialmente porque a retração na produção foi disseminada, abrangendo dezessete dos vinte e quatro ramos pesquisados.
Ocupação, renda e câmbio
Pelos menos três fatores foram determinantes na reversão da tendência de estabilização da atividade industrial: a necessidade de ajustar os estoques em um cenário de queda acentuada do poder de compra da população; a restrição e o custo do crédito, e; a forte apreciação da moeda e os seus efeitos sobre a competividade do setor no mercado interno e no mercado externo. Um quarto fator pode estar associado aos efeitos da estiagem sobre a produção agroindustrial.
Em relação ao comércio exterior de produtos industrializados, é importante frisar que não se trata apenas do desempenho ruim do setor exportador brasileiro. De fato, se o valor exportado pelo Brasil recuou no terceiro trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior, as exportações produtos industrializados aumentaram 6,5% nessa comparação, mesmo que a base de comparação seja muito rebaixada. Há, ainda, que se considerar a perda de competitividade no mercado interno e o declínio no valor das vendas no mercado externo em termos do equivalente em moeda nacional, por conta da forte apreciação do real no período.
A produção física da indústria iniciou sua trajetória de declínio acentuado no último trimestre de 2014. Quando a produção do setor nos dois primeiros trimestres de 2016 parecia que iria se estabilizar, no terceiro trimestre ela voltou a apresentar declínio acentuado. Nos quatro trimestre acumulados até setembro, o setor registrou queda de 8,8%, na comparação com igual período anterior. Mais grave é que a produção nos quatro trimestre acumulados em setembro de 2016 é praticamente a mesma do ano de 2004 (ver Gráfico 2).


 Fonte: IBGE-PIM



Publicado no Jornal da Cidade, em 06/11/2016 com o título A Indústria em jogo