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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 17 de julho de 2016

Confiança e nível de atividade


Ricardo Lacerda

Uma nova onda de projeções trouxe à tona, mais uma vez, a perspectiva de que a economia brasileira deverá finalmente interromper a trajetória de queda em algum momento dos próximos meses, dando início a um período de estabilização ao qual se seguirá uma elevação muito tímida da atividade econômica, que poderá ser sustentável ou não.

Diante dos resultados ainda muito ruins nos indicadores de consumo, do setor de serviços e do mercado de trabalho, os vaticínios que apontam a aproximação do momento de recuperação da economia se apoiam na evolução de dois grupos de indicadores: a desaceleração do ritmo de queda da atividade industrial, sinalizando a proximidade do fundo do poço nesse segmento, e a elevação, já por alguns meses, dos indicadores de confiança de empresas e consumidores.

À semelhança de ocasiões anteriores, fatos, desejos e posicionamentos políticos se misturam na eloquência com que essas projeções são apresentadas.

Choque de confiança

Especialmente os indicadores de confiança estariam calçando as projeções de retomada do nível de atividade. Diante do fato de que a crise de confiança cumpriu papel importante nas atuais dificuldades da economia brasileira não é prudente menosprezar os efeitos positivos que a melhoria no grau de confiança pode trazer, da mesma forma que também não o é superestimá-los.

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico no dia 07 de julho, Ricardo de Menezes Barboza e Gilberto Borça Jr, economistas do BNDES e do grupo de conjuntura da UFRJ, apresentaram algumas conclusões de estudo que realizaram a respeito das relações entre o aumento da confiança das famílias e dos empresários industriais e o incremento do nível de atividade.

Os economistas informam que as simulações por eles realizadas confirmam os estudos recentes do Banco Central de que “choques na confiança da indústria parecem ter efeitos positivos e estatisticamente significativos sobre a atividade econômica no Brasil ... [e] que o mesmo não vale para choques na confiança do consumidor, embora esta variável contribua para melhorar a previsão do consumo agregado.”

Os testes realizados pelos autores indicaram que “um choque padrão na confiança da indústria faz a produção de bens de capital aumentar em cerca de 2% num horizonte de seis meses à frente, quando o efeito é máximo e começa a perder força”.
Portanto, a constatação dos autores é que a elevação da confiança entre os empresários industriais, tudo o mais permanecendo constante, impulsiona a retomada do investimento no horizonte indicado, engendrando forças favoráveis a recuperação do nível de atividade.
A confiança dos agentes econômicos (empresários e consumidores) se encontra em alta desde abril, como decorrência direta do afastamento da presidente Dilma Rousseff e da nomeação de uma equipe econômica tida e havida como determinada a realizar o ajuste nas finanças públicas.
Como assinalam os dois economistas, a melhoria nos indicadores de confiança desde então se baseia quase exclusivamente nos componentes relativos ao Índice de Expectativa (IE) enquanto que os índices de Situação Atual (ISA) ainda não revelam melhoria expressiva, tomando por base os indicadores elaborados pela Fundação Getúlio Vargas,
A elevação da confiança, aliada há alguns outros fatores como a recuperação parcial nos preços das commodities, deverá, segundo os autores do artigo, traduzir-se em incremento no nível de atividade em algum momento entre o final de 2016 e início de 2017, mesmo que a situação presente continue no mesmo atoleiro.
Em outras palavras, empresários da indústria, construção, comércio e serviços, além das famílias, não sentiram ainda melhorias significativas nos últimos meses, mas creem que a vida vai melhorar.
É crer para ver. Curiosamente, bancos e empresas de consultorias locais têm se mostrado mais otimistas do que instituições multilaterais, como o Fundo Monetário e a OCDE, e agências de riscos.
Nível de atividade
Mesmo que a atividade industrial apresente, a partir de uma base de comparação muito rebaixada, um modesto crescimento nos próximos meses, o que não é consenso entre os analistas, o setor de serviços e o mercado de trabalho não dão sinais de que vão melhorar. Há ainda a incógnita do câmbio, cuja valorização recente alivia as pressões inflacionárias e estimula o consumo mas coloca um enorme interrogação sobre as perspectivas da retomada da indústria e sobre a sustentabilidade das contas externas no médio prazo.
Aparentemente, a equipe de Meirelles, com maior apoio político, adota nesse primeiro momento uma gestão macroeconômica mais próxima da executada por Nelson Barbosa do que do aperto promovido por Joaquim Levy. Emite sinais de que vai buscar de imediato a estabilização do nível de atividade, antes de adotar cortes mais profundos nos gastos públicos. A questão é como a confiança dos agentes vai reagir a essa estratégia.
Para finalizar, a publicação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR) de maio funcionou como uma ducha fria para as projeções mais otimistas. Na série livre de efeitos sazonais, o IBC-BR caiu 0,51% entre abril e maio. Em termos trimestrais, o declínio do nível de atividade não deu mostra de maiores arrefecimentos. A economia recuou 1% entre o trimestre imediatamente anterior e o trimestre encerrado em maio. Na série que compara com o mesmo trimestre do ano anterior, a queda foi de 5,5% (ver Gráfico)


Fonte: Banco Central do Brasil

Publicado no Jornal da Cidade, em 17/07/2016

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Importações e saldo comercial no primeiro semestre de 2016

Ricardo Lacerda

A intensa depreciação da moeda nacional e a também impactante recessão interna, em meio a um quadro de nova debilidade do comércio mundial, foram os determinantes do resultado da balança comercial brasileira no 1º semestre de 2016. O saldo comercial brasileiro alcançou US$ 23,6 bilhões no semestre, frente a US$ 2,2 bilhões no mesmo período de 2015.
O salto do superávit comercial entre o 1º semestre de 2015 e o 1º trimestre de 2016 foi, portanto, de US$ 21,4 bilhões, mais do que o dobro do que qualquer incremento anterior, na série de dados de comércio exterior iniciada em 1989.
Foi o mais elevado saldo comercial do 1º semestre na série iniciada em 1989. Talvez tenha sido, não tive tempo para conferir, o maior saldo comercial já obtido no 1º semestre na história do país. 
As importações despencam
O mais notável é que o incremento do superávit comercial se deveu integralmente à redução do valor das importações (em 27,7%), porquanto as exportações também declinaram, em 4,3% no período.
Queda tão pronunciada das compras internacionais se deveu em parte à recessão, principalmente a retração nas atividades industriais e no consumo das famílias, mas certamente decorreu em parcela bem maior dos efeitos combinados da substituição de importação de produtos importados pelos produzidos internamente e pela queda nas cotações internacionais dos produtos importados pelo país.
Esse último aspecto põe em destaque o fato nem sempre percebido de que não apenas as cotações de nossos produtos de exportação declinaram no mercado internacional, como também que as cotações dos produtos importados apresentaram expressiva redução. Ainda que a resultante desses dois movimentos deva ser amplamente desfavorável aos termos de troca do país, a retração nas cotações internacionais da pauta de importações não pode ser negligenciada na avaliação da evolução do comércio exterior do período.
Valor e quantidade
Assim, enquanto a queda no valor das importações no 1º semestre de 2016 alcançou os já citados 27,7%, a retração do volume físico importado, apesar de bem pronunciada, foi bem menor, de 10,8%. O Gráfico 1  apresenta a evolução dos índices de valor e de quantidade de importações no acumulado em doze meses entre o final de 2010 e junho de 2016.
Em termos de valor, as importações brasileiras no acumulado de doze meses vêm declinando desde o início de 2014, enquanto a quantidade importada somente começou sua trajetória de queda cerca de um ano depois, no início de 2015, quando a recessão se instalou internamente.
O efeito combinado entre recessão interna, depreciação da moeda nacional (e a consequente substituição de importações) fez com que ao final do 1º trimestre de 2016, o volume físico das importações brasileiras no acumulado de doze meses retornasse ao patamar do final de 2010. O valor das importações se igualou ao de dezembro de 2010 entre outubro e novembro de 2015 e despencou nos meses seguintes, até atingir 20% a menos em junho de 2016, sempre na série acumulada em doze meses. Certamente, a retração acima da média nas importações de bens de capital responde por parte da explicação.


Fonte: MDIC
Importações segundo uso dos bens
Ainda que a retração no valor das importações tenha atingido todos os grupos segundo o uso dos bens, há algumas especificidades que merecem ser mencionadas.
As importações de bens de capital, relacionadas à aquisição de máquina e equipamentos que comporão o investimento interno no país, recuaram 18,6% no semestre, em relação a igual período do ano anterior, abaixo da média do conjunto das importações, em razão de já se encontrarem muito deprimidas.
As importações de bens de consumo (duráveis e não duráveis) que serão vendidos às famílias no mercado interno recuaram 26,5% e os bens intermediários, utilizados na produção interna, principalmente nas atividades industriais, recuaram 25,6%.
As importações de combustíveis e lubrificantes, em parte por conta da queda no quantitativo, em parte por conta da forte redução nas cotações médias, caíram 48%.
O Gráfico 2 apresenta os índices do valor importado segundo as categorias de uso entre o final de 2010 e junho de 2016, na série acumulada em doze meses. Alguns fatos chamam a atenção.
Nessa série de doze meses, as principais categorias de importados segundo o uso dos bens iniciam a trajetória de declínio, em termos de valor, no início de 2014, com a notória exceção de combustíveis e lubrificantes.
Todavia, as importações de bens de capital, associadas aos investimentos das empresas, apresentam no ano de 2014 queda bem mais acentuada do que as das categorias associadas ao consumo das famílias (Bens de consumo) e ao uso intermediário para atender as necessidades de produção das empresas (bens intermediários).
Os valores das importações dessas duas categorias de bens, todavia, aprofundarão seus declínios a partir de 2015, quando a crise no mercado interna se agrava. Já as importações de combustíveis e lubrificantes despencam desde o final de 2014, diante, inicialmente, da queda nas cotações do produto e depois, também pela redução no consumo interno.

Fonte: MDIC
Publicado no Jornal da Cidade, em 10/07/2016

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Câmbio e esforço exportador

Ricardo Lacerda

Mesmo com a intensa depreciação da moeda nacional desde o final de 2014, as exportações brasileiras nos primeiros cinco meses de 2016 foram inferiores às do mesmo período de 2015. Até maio as exportações de 2016 medidas em valor se situaram 1,6% abaixo do resultado de 2015. Nos doze meses acumulados até maio de 2016, as exportações brasileiras se situaram 9,4% abaixo das do mesmo período anterior.
É provável que nos primeiros meses da segunda metade do ano, as exportações de 2016 comecem a superar os resultados acumulados de 2015 e até o final do ano seja interrompida a queda iniciada ainda em setembro de 2014 na série acumulada em doze meses.
Divergência entre valor e quantidade
Em volume físico, todavia, as exportações apresentaram um outro comportamento, tendo reagido favoravelmente desde o início da aceleração da mudança no patamar do câmbio. Nos primeiros cinco meses de 2016, a quantidade exportada aumentou 15,4% em relação ao mesmo período de 2015.
No Gráfico 1, podemos observar que o valor das exportações acumuladas em doze meses de maio de 2016 encontrava-se bem abaixo da situação de julho de 2014, quando se iniciou a sua queda acelerada, exatamente 21% abaixo. De outra parte, desde o final de 2014 a curva do volume físico de exportações, também no acumulado de doze meses, aponta incisivamente para cima, de tal forma que o volume exportado em maio de 2016, nessa série, é 18,4% superior ao de novembro de 2014.
Evidentemente a divergência entre a evolução das exportações em termos de valor e de volume físico decorre do comportamento desfavorável nas cotações internacionais dos principais produtos de nossa pauta exportadora, muito particularmente do minério de ferro, mas não exclusivamente.
O que é menos evidente é que a depreciação de nossa moeda, apesar de intensa, não tem sido suficiente, na média de nossa pauta de exportações, para compensar em moeda nacional a perda decorrente da queda da cotação dos nossos produtos medida em uma cesta de moeda no mercado mundial.

 Fonte: MDIC

Câmbio e valor médio das exportações
Na média de doze meses, o valor da tonelada exportada pelo Brasil em dólares correntes aumentou continuamente desde meados meados de 2003 até o início de 2012, desconsiderando-se a forte queda entre o final de 2008 e meados de 2009. As exportações do Brasil desde 2003 foram fortemente favorecidas pelo que ficou conhecido como o longo ciclo de valorização das commodities no mercado mundial, em grande parte causado pela intensa demanda da China por essas mercadorias.
A partir de 2012, todavia, o valor médio das exportações brasileiras, nessa média móvel de doze meses, passou a declinar continuamente. Nesse sentido, a piora do cenário externo a partir de 2011 e depois em novos mergulhos em 2013 e em 2015 tiveram sim papel determinante na evolução desfavorável de nossas vendas externas, contaminando o quadro econômico interno. Portanto, os efeitos da nova e profunda crise no cenário mundial não são invenção para retirar responsabilidade em relação as desmandos na condução da política econômica do país.
O Gráfico 2 apresenta os índices de evolução da média móvel de doze meses do câmbio real e efetivo do comércio exterior brasileiro, do valor médio das exportações por tonelada, também na média de doze meses, e um terceiro índice, elaborado por nós, desse valor médio das exportações por tonelada, corrigido pela variação cambial, com base no câmbio real e efetivo.
A ideia desse último índice é de informar se a variação do câmbio (já descontadas as inflações interna e externa) foi suficiente ou insuficiente para compensar as quedas na cotação média de nossas exportações. Trata-se, evidentemente, de um índice aproximado, sujeito a intercorrências diversas, mas que pode ser útil para observar o comportamento do nosso comércio exterior. Todos índices têm como base a média de doze meses de dezembro de 2010.
Perceba-se que o câmbio real e efetivo das exportações brasileiras começa a subir tão logo as cotações médias dos nossos produtos de exportação iniciam o declínio. No Gráfico 2, a curva do câmbio real e efetivo, na média de doze meses, inicia a trajetória de elevação a partir o início de 2012, como resposta à queda acentuada da cotação externa dos nossos principais produtos (linha dupla), que afetou o desempenho de nossas exportações em termos de valor (no Gráfico 1).
A cotação média de nossas exportações, nessa série de doze meses, manteve-se em declínio durante todo o período entre o início de 2012 e maio de 2016. Não são poucos os efeitos desfavoráveis de um período tão longo de queda. A partir de meados de 2014 a curva da cotação média aponta fortemente para baixo, em decorrência do agravamento das dificuldades na economia chinesa. Com alguma defasagem temporal, ao final de 2014 inicia-se o movimento recente de forte elevação do câmbio.
Finalmente, quando se corrige a cotação média de nossas exportações pela variação cambial percebe-se que é atenuada a perda dos exportadores mas não o suficiente para recompor o nível anterior ao início da queda no início de 2014.

Fonte: MDIC

Publicado no Jornal da Cidade, em 03 de julho de 2016