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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Os rendimentos do trabalho

Ricardo Lacerda

A Pesquisa Mensal do Emprego (PME) e a PNAD Contínua, ambas do IBGE, têm captado a queda do rendimento do trabalho em 2015, fruto da recessão que atinge a economia brasileira. Na semana passada, foram publicados os dados da PME referentes ao mês de setembro. Os resultados retratam a deterioração da situação do mercado de trabalho nas seis regiões metropolitanas pesquisadas, tanto do ponto de vista da taxa de desocupação, quanto dos rendimentos auferidos pelos trabalhadores.
A taxa de desocupação de setembro nas seis regiões metropolitanas pesquisadas foi estimada em 7,6%, apresentando-se estabilizada em relação ao mês de agosto mas bem superior aos 4,9% de setembro de 2014 (ver Gráfico 1).
A súbita elevação das taxas de desocupação ao longo de 2015 resultou, de um lado, da redução expressiva no contingente de pessoas ocupadas e, de outro, do aumento de pessoas que entraram no mercado de trabalho para compensar a queda no rendimento familiar.
Na comparação entre setembro de 2015 e setembro de 2014, o pessoal ocupado nas áreas pesquisadas caiu em 420 mil, equivalentes a 1,8%. A retração do número de pessoas ocupadas alcançou 3,8% no caso da Região Metropolitana de Salvador e 2,5% na Região Metropolitana de São Paulo.
Antecedentes
Quando o nível de atividade se retrai é questão de tempo o impacto sobre o mercado de trabalho. Na série iniciada em 2002, é possível constatar alguns períodos de forte aumento na taxa de desocupação das regiões metropolitanas, como em 2003, entre 2005 e 2006, na passagem de 2008 para 2009 e o mais recente, ao longo de 2015 (Gráfico 1).  

Fonte: IBGE-PME
Cada um desses períodos de deterioração do mercado conta com o seu próprio enredo. Em setembro de 2003, a desconfiança do mercado em relação ao novo governo fez com que a taxa de desocupação, que já se apresentava muito elevada em anos anteriores, saltasse para 13%. O ciclo de crescimento iniciado em 2004 fez com que a taxa de desocupação caísse naquele ano e no ano seguinte, até que a equipe econômica comandada pelo ministro Palocci puxou as rédeas da economia por entender que a demanda agregada caminhava à frente do produto potencial, com efeitos perversos sobre a evolução dos preços. Tal como preceituado pelo regime de metas de inflação, o governo restringiu os gastos e iniciou novo ciclo de elevação nas taxas de juros, o que interrompeu a melhoria em curso no mercado de trabalho.
A taxa de desocupação das regiões metropolitanas que havia caído em 2004 e 2005 voltou a crescer em 2006, alcançando 10% em setembro daquele ano, frente aos 9,7% de setembro anterior. Trocado o time econômico, teve início o ciclo intenso de crescimento e inclusão social que veio marcar a gestão do presidente Lula.
A taxa de desocupação apresentou trajetória acentuadamente descendente até o ano de 2014, mesmo considerando a oscilação para cima entre o final de 2008 e 2009 decorrente do impacto da crise financeira internacional.
Desocupação e rendimentos
O enfraquecimento do mercado de trabalho se traduziu também em queda do rendimento das pessoas ocupadas. O rendimento médio real habitual nas áreas pesquisadas pela PME vem caindo desde fevereiro, na série que compara com igual mês do ano anterior.
Em setembro, o rendimento médio habitual real caiu 4,3%, em relação a setembro de 2014. Foi a primeira retração do rendimento real para o mês de setembro desde 2003, quando havia recuado 13,1% (ver Gráfico 2). A queda no mês passado foi especialmente acentuada no setor industrial e nas atividades de serviços prestados às empresas.
A deterioração do mercado de trabalho em 2015 impressiona pela velocidade com que acontece. Ainda que o horizonte se encontre muito turvo para enxergar por quanto tempo a elevação da taxa de desocupação se estenderá e qual patamar poderá alcançar, as perspectivas atuais são de agravamento, antes de começar a melhorar.



Fonte: IBGE-PME


Publicado no Jornal da Cidade, 25/10/2015  

domingo, 18 de outubro de 2015

Como os mercados de trabalho regionais estão sendo impactados pela crise (2)

Ricardo Lacerda

O ajuste econômico tem na deterioração do mercado de trabalho uma de suas peças basilares. As medidas de ajuste visaram desde o início fragilizar o mercado de trabalho com o intuito não ocultado de reduzir o poder de barganha da classe trabalhadora como forma de conter pressões inflacionárias. Nesse sentido, o ajuste significa não apenas a compressão do consumo para caber no “produto potencial” do país, como sua outra face, do ponto de vista da renda, que é a redução da participação dos rendimentos do trabalho na geração da riqueza nacional. O processo já se encontra em pleno andamento.
 A deterioração do mercado de trabalho em curso no Brasil vem se manifestando em diversas dimensões: o emprego formal sofre forte retração, com a previsão de fechamento de mais de um milhão de postos de trabalho até o final do ano; as formas de ocupações mais precárias se expandem como resultado de estratégias de subsistências das famílias, com a ampliação do número de trabalhadores por conta própria, de trabalhadores em atividade familiar (com ou sem remuneração) e com o incremento do número de empregadores, como resposta à falta de oportunidade de empregos. Como o rendimento médio do trabalho começou a cair de forma acentuada, um número maior de membros das famílias vem sendo empurrado para entrar no mercado de trabalho, mesmo em vínculos precários.
É fato, todavia, que diante do grau de instabilidade política que se instalou no país a piora do mercado de trabalho ao longo de 2015 foi muito mais acentuada do que a prevista e desejada quando foi estabelecido o plano de voo inicial, o que coloca em risco o objetivo de alcançar uma rápida retomada da economia após a restauração do grau de confiança dos agentes econômicos em relação à sustentabilidade das contas públicas. A verdade é que a crise política agudiza e estende no tempo os custos sociais do ajuste.
Regiões e setores

As regiões mais pobres do país, que vinham conhecendo nesse início de século um dos mais importantes ciclos de expansão de investimentos e de elevação do poder de compra, não foram poupadas da aguda reversão da situação econômica e dos seus efeitos sobre o mundo do trabalho. Como vimos na primeira parte do artigo, publicada anteriormente aqui no Jornal da Cidade, apesar de relativamente menos atingidos do que nas áreas mais industrializadas do país, os mercados de trabalho das regiões mais pobres enfrentam os mesmos processos de redução do emprego formal e de expansão das formas precárias de inserção.
Há, todavia, particularidades regionais no que tange a evolução da ocupação segundo os setores de atividade. Em relação ao Nordeste, não se trata apenas que o menor peso do emprego industrial teria causado perda menos intensa de postos de trabalho, dado que essa atividade tem sido uma das mais penalizadas pela crise.

Uma dos fenômenos mais instigantes dos efeitos da crise sobre o mercado de trabalho do Nordeste é o que vem acontecendo com a ocupação industrial. De um lado, verificou-se uma forte retração do emprego formal no setor. De outro, o total das ocupações industriais se expandiu muito, certamente por conta do crescimento do número de trabalhadores por conta própria.

Os dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Continua do IBGE mostram que, diferentemente de todas as demais regiões, o nível de ocupação na indústria geral (indústria de transformação e extrativa mineral) cresceu no segundo trimestre de 2015, tanto quando se compara com o mesmo trimestre de 2014, quanto em relação ao primeiro trimestre de 2015. Simplesmente 129 mil pessoas a mais se ocuparam nas atividades da indústria geral na comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o segundo trimestre de 2014 (ver Tabela), uma taxa de incremento de 6%, quando a média no país foi de retração de 0,3% na ocupação do setor.  

Para o Nordeste, especialmente desastroso tem sido o comportamento do emprego na construção civil e na atividade agropecuária, por conta da crise do setor sucroalcooleiro. Na primeira atividade, seja como resultado do estouro da bolha imobiliária seja em decorrência da paralisação dos investimentos em infraestrutura, o nível de ocupação no setor caiu 9,1%, com o corte de 189 mil postos de trabalho. Na agropecuária,a retração de ocupações no Nordeste foi a maior em termos absolutos entre todas as regiões do país, 171 mil ocupações a menos, sempre na comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o mesmo trimestre de 2014.

Um aspecto curioso é que, enquanto o contingente de pessoas ocupadas despencou na construção civil e na indústria geral (com a exceção do Nordeste) e a ocupação no comércio desacelerou seu crescimento, há uma forte expansão em praticamente todas as regiões das ocupações em dois grupamentos de atividade: alojamento e alimentação e no bloco de atividades de serviços que abrange desde comunicação até atividades profissionais e administrativas. Provavelmente, são essas atividades que vêm se tornando âncora da sobrevivência das famílias empobrecidas.

Tabela. Crescimento absoluto e relativo da população ocupada segundo posição na ocupação entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2015.
Posição na ocupação principal
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste

Variação absoluta da ocupação entre março-junho de 2014 e março-junto de 2015. (Em mil pessoas)
Total da população ocupada
159
30
64
79
0
-14
Agropecuária
-207
29
-171
-46
-51
32
Indústria geral (transformação e extrativa mineral)
-46
-53
129
-9
-74
-38
Construção
-673
-27
-189
-352
-16
-89
Comércio
177
45
78
-3
28
28
Transporte e armazenagem
39
24
32
-14
20
-23
Alojamento e alimentação
192
10
51
125
4
3
Informação, comunic., financeiras, imob., profissionais e adm.
503
25
112
215
64
87
Adm pública, social, educação, saúde e serviços sociais
145
-37
37
160
-9
-6
Outros serviços
40
13
-4
-16
65
-18
Serviços domésticos
-1
6
-9
24
-32
10








Variação relativa da ocupação entre março-junho de 2014 e março-junto de 2015. (%)

Total da população ocupada
0,2
0,4
0,3
0,2
0,0
-0,2
Agropecuária
-2,1
2,4
-4,3
-2,0
-3,2
4,8
Indústria geral (transformação e extrativa mineral)
-0,3
-6,2
6,0
-0,1
-2,6
-4,4
Construção
-8,6
-4,5
-9,1
-10,5
-1,5
-13,2
Comércio
1,0
3,3
1,7
0,0
1,0
1,9
Transporte e armazenagem
0,9
8,1
3,6
-0,7
2,9
-7,5
Alojamento e alimentação
4,6
3,3
4,8
6,5
0,8
0,8
Informação, comunic., financeiras, imob., profissionais e adm.
4,9
6,0
6,4
3,7
4,3
10,5
Adm pública, social, educação, saúde e serviços sociais
1,0
-2,8
1,0
2,5
-0,4
-0,5
Outros serviços
1,0
4,7
-0,5
-0,8
11,7
-5,2
Serviços domésticos
0,0
1,4
-0,6
0,9
-3,9
2,0
Fonte. IBGE. PNAD contínua.


Publicado no Jornal da Cidade, em 18 de outubro de 2015