Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 30 de março de 2015

A Indústria e o PIB de 2014


Ricardo Lacerda

O IBGE apresentou na última sexta-feira o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 2014, já na nova metodologia que toma 2010 como ano de referência para definir os pesos setoriais. Com as mudanças realizadas, foram revistas as taxas de crescimento do PIB e de seus componentes para 2012 e 2013, com o que o crescimento do PIB alcançou 1,8% em 2012, frente a 1% na metodologia anterior, e 2,7%, em 2013, frente a 2,5% registrados anteriormente.

A soma de todos bens e serviços produzidos no país alcançou R$ 5,52 trilhões em 2014, crescimento ínfimo de 0,1% em relação ao ano anterior. Da riqueza produzida a preços básicos, sem considerar os tributos indiretos, o setor de serviços respondeu por 71% do total, frente aos 23,4% do setor industrial e 5,6% do setor agropecuário.

Estagnação industrial

Chama a atenção o fato de que, desde que a crise financeira se instalou na economia mundial em 2008, a indústria de transformação perdeu mais de 5 pontos de participação no Valor Adicionado Bruto do país, passando de 16,6%, naquele ano, para os 10,9%, em 2014. Passados seis anos, entre o final de 2008 e o de 2014, o volume da produção da indústria de transformação tornou-se 1,3% menor, enquanto o setor de serviços cresceu 17,8%.

A maior parte da queda de participação da indústria de transformação se deu entre 2011 e 2014 (ver Gráfico 1), depois que a crise internacional voltou a se agravar. Neste período, a atividade da indústria de transformação recuou 2,7%, enquanto o setor de serviços cresceu 5,7%. Em 2014, o conjunto do setor industrial recuou 1,2% e a indústria de transformação registrou a impressionante retração de 3,8%.



 


Fonte: IBGE. CNT.

Em tais circunstâncias, a afirmação, que se tornou lugar comum, de que o ciclo de crescimento puxado pelo consumo se esgotou tem como contraface a percepção menos difundida de que a continuidade do crescimento do PIB com a estagnação da indústria de transformação também chegou ao seu limite.

Para não deixar margem a dúvida do que se está tratando, observe-se na linha pontilhada do mesmo gráfico que a indústria de transformação apresentou trajetória de crescimento robusta entre 2004 e 2008 e somente depois da crise internacional passou a andar de lado.

Daí em diante, a sobrevida do crescimento brasileira se deveu essencialmente à expansão da atividade do setor de serviços, secundada pela construção civil (que contribuiu com uma parcela importante no crescimento do período). Ambas as atividades são produtoras de bens não comercializáveis e puderam manter taxas de crescimento significativas mesmo com o cenário externo muito adverso e o câmbio depreciado.

Componentes da demanda

Em comparação ao ano de 2013, todos os componentes da demanda perderam ímpeto em 2014: o crescimento do consumo das famílias desacelerou de 2,9% para 0,9%; o gasto corrente da administração pública cresceu 1,3%, frente aos 2,2% do ano anterior; o investimento em capital fixo despencou 4,4%, e as exportações e importações de bens e serviços recuaram, respectivamente, em 1,1% e 1,0% (ver Gráfico 2)

Duas observações se fazem necessárias: a primeira é que o consumo das famílias e o da administração pública, os únicos componentes que apresentaram crescimento em 2014, estão sendo nesse momento mais diretamente restringidos pelas medidas de ajustes; a segunda observação é que as taxas de crescimento desses componentes não apenas desaceleraram ao longo do ano como se mostraram insuficientes para promover a continuidade do crescimento econômico, mesmo a uma taxa modesta.

Perspectivas

Em conjunto, o consumo das famílias (62,5%) e do governo (20,2%) responderam por 82,7% do PIB de 2014, frente aos 20,1% dos investimentos (em capital fixo e em estoques) e -2,8% da participação do saldo entre exportações e importações de bens e serviços.

Não há possibilidade de retomada do crescimento sem a expansão do consumo. No próximo ciclo expansivo, todavia, o incremento do consumo em bases robustas somente acontecerá no segundo estágio, após a recuperação da confiança entre o empresariado e as famílias e quando a depreciação do real começar a alterar os termos da competitividade da indústria de transformação, com o auxílio muito valioso de uma melhoria substancial do cenário internacional.


Fonte: IBGE. CNT.


Publicado no Jornal da Cidade em 29/03/2015 

segunda-feira, 23 de março de 2015

O ajuste fiscal e a inflação




Ricardo Lacerda

As medidas de ajuste macroeconômico adotadas pela nova equipe econômica já começam a ter impactos sobre a evolução dos preços. Os efeitos sobre o nível de atividade e sobre o emprego também apresentam os primeiros sinais, mas se farão sentir de forma mais acentuada nos próximos meses.

Dois conjuntos de medidas têm o poder de deslocar para cima a trajetória dos preços: a depreciação do real frente às principais moedas e a retirada progressiva dos subsídios aos preços dos derivados de petróleo e às tarifas de energia, aos quais deve ser adicionada a reversão progressiva de desonerações tributárias sobre setores específicos que haviam sido adotadas nos últimos anos.

Nos primeiros meses de 2015, o segundo conjunto de medidas (os cortes dos subsídios) tem tido maior impacto do que o primeiro, mas os efeitos da aceleração recente da depreciação do real (valorização do câmbio) deverão se manifestar com força nos próximos meses. Devem amortecer a tendência de elevação nos preços a queda nas cotações das commodities no mercado internacional e a compressão no poder de compra da população.

IPCA

Nos dois primeiros meses de 2015, a taxa em doze meses do IPCA apresentou dois saltos, passando de 6,41%, em dezembro, para 7,14%, em janeiro, e atingiu 7,70% em fevereiro. O IPCA-15 de março já acusou nova aceleração, para 7,90% em doze meses.

A expectativa é que o IPCA em doze meses suba um pouco mais nas próximas edições mensais e em algum momento de 2016 comece a declinar posto que a maior parte dos choques de custo deve provocar elevações não recorrentes (once for all) e que as empresas deverão limitar os repasses aos preços em uma conjuntura em que a renda disponível das famílias deverá ser encolher. A evolução dos níveis dos reservatórios das principais hidrelétricas deverá cumprir papel chave na evolução dos preços na medida em que impactará as tarifas do fornecimento da energia elétrica. 

Represamento

Desde dezembro do ano passado se acentuou a tendência iniciada doze meses antes de acelerar a elevação dos preços dos produtos monitorados pelo governo, como combustíveis, energia elétrica e outras tarifas de serviços públicos.

É importante destacar que a elevação dos preços monitorados vem reduzir uma enorme defasagem acumulada. Os preços monitorados vêm sendo reajustados sistematicamente abaixo da inflação média desde maio de 2007, desconsiderando-se cinco meses entre o segundo semestre de 2009 e o início de 2010, em uma situação excepcional.

A defasagem foi muito ampliada ao longo de 2013. Entre fevereiro e dezembro daquele ano, o IPCA dos preços monitorados manteve-se 4 pontos percentuais abaixo do IPCA, na série de doze meses acumulados (ver Gráfico).

Em 2014, o governo estreitou essa diferença mas ela se manteve muito ampla até meados do ano quando a elevação dos preços monitorados foi acelerada, reduzindo a diferença em relação ao IPCA. Depois de dezembro, os preços monitorados foram fortemente corrigidos, fazendo com que as taxas acumuladas em doze meses em janeiro e fevereiro superassem o IPCA- Geral, o que não acontecia desde fevereiro de 2010.

Comercializáveis e não comercializáveis

A queda nas cotações internacionais de nossas principais commodities agrícolas e minerais, além da forte retração nos preços do petróleo e gás, propiciou que o IPCA dos bens e serviços comercializáveis tenha declinado na série de doze meses desde meados de 2014, mesmo com a forte apreciação do câmbio no período. O IPCA dos comercializáveis somente reagiu em janeiro, mas o acumulado em doze meses manteve-se abaixo do IPCA-Geral.

Ainda assim, é de se esperar que nos próximos meses a elevação nos preços dos produtos e serviços comercializáveis, desde eletrônicos e insumos industriais até fretes e turismo internacionais, venha a acelerar, refletindo o novo patamar do câmbio.

Por outro lado, o IPCA dos bens e serviços não comercializáveis, que não sofre impacto direto do câmbio, como são os casos dos serviços pessoais e alimentação fora de casa, se manteve acima do IPCA-Geral até o momento, indicando que o desaquecimento em curso da economia ainda não atingiu fortemente o poder de compra interno, nem o mercado de trabalho no segmento de serviços.

A tendência nos próximos meses é de que os preços dos bens e serviços comercializáveis, que dependem da cotação do câmbio, passem a subir acima da inflação média, enquanto os preços dos bens e serviços que não são cotados no mercado internacional e não sofrem concorrência direta com os importados passem a ser reajustados abaixo do IPCA médio, na medida em que a economia desaquecer e o poder de compra da população se tornar mais restrito, em um processo inverso ao que ocorreu quando o câmbio foi desvalorizado, entre o início de 2004 e meados de 2011.


Fonte: IBGE-IPCA

Publicado no Jornal da Cidade, em 22/03/2015

segunda-feira, 16 de março de 2015

A ocupação no Baixo São Francisco –Parte 2

Ricardo Lacerda

A estrutura relativamente pouco diversificada da economia do Baixo São Francisco limita as oportunidades de ocupação de sua população economicamente ativa. A região possui um mercado de trabalho frágil, especialmente em alguns municípios em que predominam precárias relações de trabalho e em que uma parcela importante da população se encontra ocupada em atividades de produtividade muito baixa.
Estrutura Setorial

A estrutura setorial da ocupação do território do Baixo São Francisco, na sua distribuição em grandes setores -Agricultura, Indústria e Serviços, não se distingue muito da maioria dos demais territórios sergipanos.
A participação do setor agropecuário na ocupação do Baixo São Francisco, de 36% em 2010, era inferior a do Alto Sertão, em que este segmento ultrapassa 50% da população ocupada, e era bem superior às da Grande Aracaju e do Leste Sergipano, mas tinha valor próximo aos pesos que apresenta nos demais territórios. 
A participação da atividade industrial na ocupação era um pouco inferior às da maioria dos territórios, ainda que superior às participações do Alto Sertão e do Médio Sertão. E o setor de serviços tinha um peso similar ao existente na maioria dos territórios. Ainda que bem inferior a da Grande Aracaju e do Leste Sergipano, era significativamente superior à participação deste setor no Alto Sertão (Ver Tabela 1).
Pesca e setor público
Em termos do conjunto do território, duas peculiaridades se destacavam no Baixo São Francisco, comparativamente às demais regiões: o peso das pessoas ocupadas nas atividades de pesca e aquicultura, que era de 7,6%, com 3.286 pessoas que tinham nessas duas atividades a principal ocupação em 2010, quando em nenhum outro território tal participação chegava a atingir 3%. No território, a pesca e a aquicultura têm grande importância na estrutura ocupacional, mais do que nos demais territórios, ainda que na Grande Aracaju o contingente de pessoas ocupadas nessas atividades em 2010 fosse maior do no Baixo São Francisco e que nos territórios do Leste e do Sul as participações também se apresentassem expressivas (2,7% e 2,6%, respectivamente).

Outra discrepância significativa diz respeito ao peso da administração pública na ocupação do território,  de 11,5% em 2010, somente inferior ao peso que esta atividade apresentava  no Leste Sergipano e muito superior aos 7,3% da média de Sergipe. Caso sejam somadas a participação da administração pública às participações da educação e saúde, em que os maiores contingentes estão vinculados ao setor público, notadamente nos municípios de menor porte, o percentual no Baixo São Francisco atinge 19,1%, superior, embora um pouco menos discrepante, em relação à média estadual de 16,7%. E nesse caso, a participação do agregado administração pública, saúde e educação era inferior ao peso que apresentavam na Grande Aracaju e no Leste Sergipano, mas bem superior às participações dessas atividades nos demais territórios.

Tabela 1: Estrutura ocupacional nos territórios sergipanos, segundo setores de atividade. 2010. (%)
Locais
Agropecuária
Indústria
Serviços
Total
Total
Agrope-
cuária
Pesca e Aquicul-
Tura
Total Industria
Total Serviços
Comércio
Adm pública, Educação e Saúde
Outros Serviços
Total Sergipe
23
1,6
17
60
16,0
16,7
27,9
100
Agreste Central
36
0,2
16
48
15,7
11,5
20,3
100
Alto Sertão
53
1,1
10
37
10,4
12,9
14,0
100
Baixo São Francisco
36
7,6
15
49
12,8
19,1
17,4
100
Centro Sul
39
0,1
18
43
15,1
11,0
17,3
100
Grande Aracaju
4
1,4
18
78
19,0
20,6
38,6
100
Leste Sergipano
25
2,6
19
56
9,1
19,8
26,9
100
Médio Sertão
41
0,4
11
48
14,8
15,2
18,0
100
Sul de Sergipe
39
2,7
15
46
12,8
12,8
20,5
100
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.

Ocupação municipal
Em relação a ocupação no âmbito dos municípios do Baixo São Francisco, as variações nas participações setoriais são bem mais amplas. Nos municípios mais pobres e mais carentes, como Pacatuba, Brejo Grande, Canhoba, Japoatã e Ilha das Flores, o peso das atividades agropecuárias na ocupação é muito mais acentuado, ultrapassando a 60% nos dois primeiros.
No caso de Brejo Grande, uma em cada duas pessoas ocupadas tinha como principal atividade a pesca ou a aquicultura. Em Ilha das Flores, quase uma em cada cinco pessoas retiravam seu sustento dessas atividades e em Pacatuba se constatava uma participação também muito expressiva, respondendo por 14,8% das ocupações.
Os municípios do Baixo São Francisco menos dependentes de ocupações agrícolas eram, por ordem, Propriá, Cedro, Malhada dos Bois, Telha e Amparo do São Francisco, todos com menos de 30% das pessoas ocupadas nessas atividades. São muncípios que contam com participações mais expressivas nas ocupações das atividades da indústria e do comércio, como Propriá e Cedro, e de forte presença da ocupação na administração pública, saúde e educação, como Malhado dos Bois, Telha e Amparo, ou em uma combinação dos dois fatores.
Os municípios mais dependentes de ocupações agrícolas, em relações de trabalho precárias, são em geral os mais pobres da região e que devem merecer atenção para fortalecer as suas bases econômicas e sociais.
Tabela 2: Estrutura ocupacional nos municípios do Baixo São Francisco, segundo setores de atividade. 2010. (%)
Locais
AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA
SERVIÇOS
TOTAL
Total agrope-cuária
Pesca e aquicul-tura
Total Indústria
Total
Serviços
Comércio
Adm Pub, educação e saúde*
Outros serviços
BAIXO SÃO FRANCISCO
36,0
7,6
15,3
48,7
12,8
19,1
16,9
100
Amparo de São Francisco
29,6
9,0
14,7
55,6
14,2
28,3
13,1
100
Brejo Grande
61,6
48,0
4,7
33,6
4,9
16,2
12,5
100
Canhoba
57,7
2,6
14,2
28,2
4,1
14,7
9,4
100
Cedro de São João
19,9
2,2
19,5
60,6
19,7
20,8
20,1
100
 Ilha das Flores
44,7
23,3
7,7
47,6
11,9
19,3
16,4
100
Japoatã
48,1
-
13,6
38,3
10,1
13,6
14,6
100
Malhada dos Bois
27,1
-
15,5
57,6
8,7
31,5
17,4
100
Muribeca
33,7
-
20,4
45,9
9,8
23,8
12,3
100
Neópolis
36,1
4,4
16,4
47,6
12,8
18,9
15,9
100
Pacatuba
63,4
14,8
9,8
26,7
4,4
14,9
7,5
100
Propriá
13,0
1,3
16,7
70,3
23,1
20,1
27,1
100
Santana do São Francisco
37,0
9,3
26,1
36,9
7,9
17,5
11,6
100
São Francisco
35,7
1,0
19,0
45,4
8,3
21,4
15,7
100
Telha
27,2
2,5
17,5
55,3
6,5
31,9
16,9
100
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010. Obs.


Publicado no Jornal da Cidade, em 15/03/2015